Top

Ne Pas Plier: Sara Mealha na Zaratan

A linguagem de Sara Mealha trepa as paredes da Zaratan na sua nova exposição individual Ne Pas Plier. A artista apresenta um conjunto de trabalhos realizados diretamente sobre as paredes da galeria, onde palavras e letras ganham uma dimensão monumental, ampliando a experiência do desenho e da linguagem.

Ne Pas Plier parte de um conjunto de desenhos, originalmente feitos sobre papel, que reúnem palavras e expressões em francês retiradas de filmes, entrevistas e textos. Échapper (2020) é um exemplo desta série de desenhos original, feito a lápis de cor sobre papel, que nos dá a perceber a diferença de escala entre as composições. As palavras rigorosamente desenhadas, passam agora para o espaço da galeria, num ato onde o desenho se transforma em instalação, em corpo e, sobretudo, em liberdade. A transformação que se dá na proporção das letras, amplia as suas imperfeições e desafia a geometria que as orienta, que agora obedece às irregularidades e esquinas das paredes.

Em Eau (2023), a composição é marcada pela repetição da palavra Eau, que na vertical se desdobra até ao teto da galeria. Aqui a experimentação da cor é feita dentro dos limites das letras e no seu negativo. Existe um movimento vertical para a leitura da obra, que contraria o movimento horizontal que normalmente conduz os nossos olhos quando lemos palavras e as tentamos decifrar. Mas, para Sara Mealha não é importante que as palavras façam sentido, elas servem como eixo de orientação para o desenho.

O desprendimento sobre o significado acentua-se na obra AeUv (2023) onde a composição é feita por uma série de letras baralhadas, minúsculas e maiúsculas, que não formam palavras. A obra contraria o nosso anseio natural pelo sentido e significado. Sem a possibilidade de nos focarmos no que significa, a orientação dos olhos vai para a composição no seu todo, para as retas e curvas que compõem cada uma das letras, para a tinta que cobre e que fica por preencher, para as diferentes cores e texturas de cada pincelada. O espaço entre as letras e o corpo do espetador não é muito, e por isso sentimos intensamente a ampliação da linguagem. Sem espaço para nos afastarmos, as letras tornam-se monumentais composições que agora pertencem à arquitetura da galeria.

E o que acontece à obra após o encerramento da exposição? Durante o período em que a exposição estará patente, houve um acordo para que o espaço da galeria carregasse no seu próprio corpo arquitetónico o peso da obra da artista. Ainda que invisível, este acordo é marcado pela própria duração da mostra, e terminará quando se preparar a próxima exposição e aqui se pintar a tinta que esconderá a obra de Sara Mealha. No entanto, saberemos sempre que atrás dessas camadas de tinta haverá Ne Pas Plier na nossa memória.

Assim, a passagem de Ne Pas Plier pela Zaratan é marcada pelo efémero, pela transitoriedade de um momento que oscila entre a linguagem, os símbolos, a perceção e a imagem.

Ne Pas Plier de Sara Mealha está patente na Zaratan até 18 de março de 2023.

Laurinda Branquinho (Portimão, 1996) é licenciada em Arte Multimédia - Audiovisuais pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estagiou na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa onde colaborou com o projeto TRAÇA na digitalização de filmes de família em formato de película. Recentemente terminou a Pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do coletivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.

Subscreva a nossa newsletter!


Aceito a Política de Privacidade

Assine a Umbigo

4 números > €34

(portes incluídos para Portugal)