A Ciência Cura: Luísa Ferreira no Museu do Neo-Realismo
Este é um passado que ainda nos está tão presente, e talvez o termo passado, que poderá remeter para uma ultrapassagem do momento histórico que aqui é representado, possa ser desadequado. No entanto é inegável que o visitante de A Ciência Cura, a mais recente exposição de Luísa Ferreira no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira, caminha pelo espaço empenhado de um distanciamento destas imagens de quem em tempos teve de lidar com a incerteza, o risco e o desconhecimento em relação ao futuro[1], e encontra hoje- através precisamente da Ciência – não todas, mas algumas respostas que o reconfortam e lhe trazem esperança.
Fica claro que o momento histórico de que falo é a Pandemia de Sars-Cov-2, que se tornou aqui a motivação temática da artista que ao longo do primeiro período de confinamento em 2020, mais precisamente entre os meses de março e junho, visitou diversos centros de investigação pelo país fora. Qual o objetivo? Reunir – ou “retirar” – dessa estranha e nova realidade um corpo de trabalho que viria a resultar na publicação de um livro com o mesmo título que a exposição, editada pela Imprensa Nacional Casa da Moeda e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Manuel Heitor, comentando o resultado deste projeto, refere que o mesmo reflete “as potencialidades do envolvimento coletivo de cientistas com entidades públicas e privadas, incluindo as mais variadas empresas industriais, num esforço de mobilização pela ciência”[2].
Ora, se numa primeira instância é o caráter fotojornalístico destas que nos chama a atenção – sendo essa também a formação da artista – estas conseguem ultrapassar essa sua motivação temática original, que é o conhecimento no combate à Covid-19, permitindo que estas possibilitem usufruir de uma experiência não meramente documental, mas também estética, sem nunca se perder numa poética que pudesse colocar em causa o objetivo final do seu discurso.
Parece-me que essa experiência estética, que não chega a ser inteiramente desinteressada, está mais presente na exposição do que no livro e nos é possível por dois fatores: o primeiro é a anteriormente referida distância através da qual nos entrega a possibilidade de olhar para todos aqueles aparatos científicos – dos quais muito possivelmente desconhecemos a função, utilidade e até o nome – com uma segurança, mas sobretudo esperança, que essa época de incerteza não voltará; a segunda é a perceção de cada fragmento como elemento independente, potenciado pelo formato da exposição
É certo que a experiência de leitura do espectador perante um conjunto de fotografias varia drasticamente consoante o formato de apresentação das mesmas. Num livro estas são-nos apresentadas numa sequência que, intencionalmente ou não, impõe uma determinada experiência a quem olha. Isto não é o caso da exposição, pelo menos não desta, onde as imagens invadem o espaço numa variedade de dimensões, planos, e enquadramentos distintos que reforçam a tão discutida ideia de fragmento fotográfico através do qual estas imagens instauram a sua autonomia formal anteriormente discutida. É mais fácil perder-nos, sem que nunca nos cheguemos de facto a perder, pois “a empatia e o rigor do seu testemunho apontam uma ordem do sensível onde a imagem virtuosa resgata este horizonte temático à sua dimensão de atualidade”[3]
A artista propõe uma cura através da arte, aliada à ciência para o bem comum, onde temos uma experiência estética e documental, inseparável do seu contexto ainda tão presente na memória de todos nós, que figurava um sentimento tão importante de manter: esperança.
A Ciência Cura, com curadoria de David Santos, está patente no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, até 26 de março de 2023.
[1] Manuel Heitor na folha de sala da exposição
[2] Ibidem
[3] David Santos na folha de sala da exposição