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AiR 351 – Entrevista com os Fundadores do Programa de Residências

AiR 351 é um programa de residências artísticas internacional localizado em Cascais e atua como uma importante ferramenta de conexão e internacionalização da arte contemporânea.

À sombra do magistral pinheiro manso, no jardim da antiga Escola Monumento D. Luiz I onde hoje encontra-se a AiR 351, a Umbigo conversou com os fundadores do projeto, Luís Campos e Cunha e Luísa Especial, e o diretor de produção, Heitor Fonseca.

AiR é a abreviação de Artist-in-Residence e 351 corresponde ao localizador de Portugal. Organização independente sem fins lucrativos, a AiR 351 promove projetos e intercâmbios artísticos, tecendo uma rede internacional e fértil para artistas, curadores e agentes da arte.

Ana Grebler – Como surgiu o projeto?

Luís Campos e Cunha – O começo foi uma confluência de vontades, da Luísa e minha.

Quisemos ser internacionais desde o princípio, somos uma residência que acontece em Portugal, mas é uma residência de artistas e curadores do mundo inteiro. Já tivemos cerca de 56 artistas e curadores de 26 países. Temos sempre, pelo menos, um artista português em residência, isso ajuda a manter a relação com o tecido artístico nacional.

Além das parcerias com escolas de arte e instituições portuguesas, visitamos regularmente artistas portugueses, trazemos curadores internacionais e nacionais, diretores de museus, etc. Agora vamos ter uma extensão em Torres Vedras, que vai permitir receber mais artistas.

AG – E vai funcionar da mesma forma? Como funciona a dinâmica das residências?

Luísa Especial – De modo geral, da mesma forma. Em Cascais temos seis estúdios com cerca de vinte metros quadrados. A AiR 351 é um programa de desenvolvimento profissional e trabalhamos muito caso a caso. Antes mesmo de o residente chegar, nós temos conhecimento do tipo de trabalho que cada um faz e tentamos antever algumas possibilidades, focando no que para cada um pode ser interessante desenvolver. Uma coisa muito importante para nós, e penso ser importante também para os artistas e curadores, é possibilitar o acesso a espaços. A partir da área de interesse e pesquisa de cada artista ou curador, tentamos perceber qual é o museu, a coleção, ou a instituição onde aquele projeto se pode enquadrar da melhor forma. No momento em que os recebemos e temos a primeira reunião de equipa, pedimos uma apresentação de portfólio e fazemos uma espécie de road map, onde tentamos perceber a forma de trabalhar e a forma de pensar de cada um. Para nós é essencial conhecer quem temos cá.

Para os artistas que têm muita prática de atelier, o dia é passado aqui, portanto partilhamos o mesmo espaço. Há coisas que aparecem também nesse dia a dia e relações que se estabelecem a partir daí, de conversas informais. Essa convivência para nós é bastante importante e proveitosa.

Ao percebermos a forma como um artista ou um curador pensa, mais facilmente depois os encaminhamos e traçamos ligações.

AG – Quais as vantagens e os desafios de estar fora de Lisboa?

LE – O acesso a Lisboa é rápido porque a AiR 351 está a 5 minutos da estação do comboio e ao mesmo tempo há um recuo suficiente para ter este ambiente tranquilo, quase campestre, para trabalhar. É muito propício à concentração, e o espaço exterior é bastante utilizado pelos artistas, onde nós também fazemos reuniões e almoços. Acho que tem uma escala muito boa, não é uma coisa industrial, megalómana, mas muito humana, quase caseira. Tem uma relação com a natureza que é cada vez mais é valorizada e que vários artistas, pelo facto de estarem aqui a dois passos do oceano, têm aproveitado e incorporado isso em várias obras.

Quanto aos desafios, inicialmente penso que por sermos uma estrutura nova e com recursos limitados – por exemplo ao nível da comunicação – levou mais tempo para que as pessoas percebessem que o projeto existia. Neste momento penso que, sobretudo através dos vários artistas e do trabalho que viemos fazendo, as pessoas de modo geral já sabem que estamos aqui e têm-nos visitado, trazendo maior visibilidade.

AG – Qual costuma ser a duração das residências?

LE – Tentamos que seja um mínimo de três, quatro meses e máximo de um ano, para que o contacto não seja superficial, que haja algum enraizamento, e também para que as coisas possam ter mais consequências e acrescentar outras camadas.

Há aqui algo que ainda não referimos e que faz a diferença em relação ao tipo de trabalho que é feito com os residentes. A nossa equipa é muito pequena, mas penso que é muito complementar. O trabalho que o Heitor – que tem formação e prática enquanto artista – faz com cada residente é também a um nível técnico: se alguém precisa de um material, ele tem bastante referências e contributos válidos para tentar perceber o que será o melhor instrumento, ferramenta, etc. para concretizar aquele projeto, aquela peça.

AG – Portanto, vocês os três acabam por ser as peças-chave da AiR 351, cada um na sua vertente.

Heitor Fonseca – Sim. E vertentes muito complementares. Isso é importante.

AG – Vocês também têm as Talks e os Open Studios, correto?

LE – Sim, durante os Open Studios Day – que acontecem de duas a três vezes por ano – os artistas abrem os ateliers e estão presentes para falar com as pessoas que vêm visitar. Nas Talks trazemos profissionais de diferentes áreas e pesquisas que cruzam com as investigações dos residentes. Tudo o que fazemos aqui decorre das residências e é pensado em função daquilo que faz sentido para os residentes que naquele momento acolhemos. É importante percebermos também as consequências que o trabalho feito aqui pode ter a longo prazo. Por exemplo, Ellie Ga, depois da sua residência na AiR 351, fez um vídeo novo relacionado diretamente com nosso contexto e que depois foi exposto na sua galeria em Nova Iorque, a Bureau, e também em Paris, no Jeu de Paume.

Esta rede vai-se criando e produzindo efeitos que se prolongam para depois das residências.

AG – O que vocês prezam na hora de selecionar os residentes?

LE – O júri de seleção dos artistas da AiR 351 é externo, está fora da direção e é composto por três membros – uma portuguesa, uma norte-americana e um francês – com perspectivas e posicionamentos muito diferentes. No momento da seleção e da avaliação de cada candidatura isso é muito visível, e para nós essa pluralidade também é muito importante. Aquilo que temos privilegiado é perceber se o artista tem abertura suficiente para fazer qualquer coisa fora da sua zona habitual de trabalho ou qualquer coisa que possa somar, ter outro desdobramento, ampliar de alguma maneira o trabalho que está a fazer.

Até agora criámos cerca de 20 oportunidades (bolsas para artistas e curadores) através de parceiros que fazem esse patrocínio, a FLAD, a PLMJ, a dgArtes, a Temporada Portugal-França e, no passado, a Fundação Calouste Gulbenkian.

Através disso (em 4 anos) tivemos excelentes artistas connosco.

Em termos de apoios, salientamos o papel fundamental da Câmara Municipal de Cascais, através da cedência do edifício, da Fundação Millennium BCP, nosso leading sponsor desde o começo e da Fundação Vodafone.

AG – Como se dá a mediação entre a AiR 351 e a comunidade local de Cascais?

LE – Aquilo que estamos nesse momento a fazer tem a ver com a comunidade educativa, através do Plano Nacional das Artes. Iniciámos, no ano passado, uma colaboração com as escolas secundárias de Carcavelos e temos anualmente quatro alunos a acompanhar o que os residentes estão a fazer. Isto para nós faz todo sentido porque muitas vezes há um grande hiato entre a aprendizagem que os alunos têm em contexto acadêmico e a prática, a realidade de como os artistas trabalham e produzem. Promover essa aproximação foi muito importante, tê-los aqui a acompanharem o processo criativo.

Estamos também inseridos no Bairro dos Museus, da Câmara Municipal de Cascais, interlocutores para questões que têm a ver com projetos específicos, a quem nós recorremos, e já tivemos ações aqui em Cascais numa interação muito próxima com a população local. Além disso, uma das residentes que tivemos – Keren Benbenisty – vinha com um projeto já definido. Assim que chegou, no primeiro dia, deu um passeio aqui à volta, viu a cúpula do Marégrafo – instrumento do século XIX que mede as marés e regista analogicamente num tambor, o único caso no mundo que ainda é analógico – e ficou imediatamente interessada. Através do Bairro dos Museus, possibilitaram-nos o acesso direto ao equipamento e a documentos antigos, aos primeiros registos, organizaram entrevistas e a artista trabalhou a partir daí.

Também promovemos a colaboração entre Keren Benbenisty, artista israelita, com João Pimenta Gomes, músico português. Eles não conheciam o trabalho um do outro e ficou uma peça totalmente relacionada com o nosso património e com o local. Foi uma ação completamente abrangente, que simboliza as várias vertentes daquilo que nos interessa. Ou daquilo que pode acontecer quando esse tipo de encontro ocorre, além de ser inesperado.

LCC – Um dos nossos objetivos de base é expandir a massa crítica local, ter mais gente ligada à arte, que faça parte dessa comunidade e que contribuam e tragam perspetivas diferentes. Queremos ser fermento.

Ana Grebler (Belo Horizonte - Brasil) é artista, curadora e escritora. Graduada em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG - Escola Guignard) e pós-graduada em Curadoria de Arte na Universidade Nova de Lisboa (FCSH). Participou de exposições coletivas no Brasil e organizou as exposições Canil (2024), Deslize (2023) e O horizonte é o meio (2022), em Lisboa. Colabora com a Umbigo Magazine com ensaios, críticas e entrevistas, e atua nas parcerias internacionais da plataforma. Na intersecção de práticas, reflete sobre a cultura visual contemporânea criando diálogos e imaginários entre espaços e processos artísticos em cruzamento. Atualmente vive e trabalha em Lisboa.

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