Fazer, quando não souber o que fazer
Quando visito exposições onde, de algum modo, verifico a presença da estética do Minimalismo, ocorre-me imediatamente a peculiar história de Tony Smith com a sua filha, na altura criança. Esta, ao ver algumas das obras criadas pelo pai – essencialmente cubos, formas geométricas concretas – perguntou-lhe o que é que ele escondia dentro do cubo, ou da caixa, caso queiramos adornar esta passagem com um pouco mais daquilo que esta pueril fase da vida nos oferece. Em O que fazer?, de Martim Brion e com curadoria de João Silvério, não deixei de sentir essa feliz curiosidade, já numa fase evidentemente mais maturada: o que esconde o artista dentro das suas caixas.
Apesar do conteúdo concretamente escultórico presente nesta exposição, ritmado e colorido, Martim Brion faz com que da escultura transitemos para a fotografia e para o texto – num gesto que não considero revelador do seu conteúdo mas que acompanha o visitante mais incauto para que este não se perca pela geometria e a cor das composições – há algo mais, projetado pelas restantes obras bidimensionais: se pelo conjunto fotográfico somos confrontados com algumas formas que escapam ao espaço euclidiano referido por João Silvério no texto da folha de sala (outras talvez o queiram contrariar, dado que se tratam de simulações da tridimensionalidade – que só o é pela presença do espectador), no conjunto textual há uma espécie de guia para imaginar algo semelhante ao que vemos no espaço, mas que inevitavelmente se afastará no interior de cada um de nós, salvas felizes coincidências cósmicas que poderão ocorrer. Perante este último conjunto, talvez o título da exposição nos reste como derradeira questão a ser feita no espaço expositivo, e que nos transporta para uma outra dimensão de pensamento (novamente o possível abandono do espaço euclidiano): O que fazer? O artista lança uma possível resposta, inscrita na folha de sala: “(…) Um pouco de tudo e nada de nada, ambos ao mesmo tempo.” Podemos pensar nesta questão radical da condição humana, no contexto desta exposição, até dia 12 de fevereiro, no MIAA – Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes.
Ainda neste espaço, e até dia 26 de fevereiro, podemos visitar duas exposições que aproveito para sublinhar: Rio, do Mestre José Pimenta, com curadoria de Sara & André. José Pimenta, nascido no Souto (Abrantes) em 1931, inicia a sua fase artística propriamente dita aos 62 anos, esculpindo três Santos Antónios e uma ´Mãe Piedosa’. Começou assim na escultura, dedicando-se mais tarde ao desenho e à pintura. Perante a multiplicidade de influências e referentes presentes na sua obra, e também pela estética da mesma, há algo no Mestre José Pimenta que me faz pensar em Arte Bruta.
Sublinho, igualmente, a exposição As minhas arqueologias, do artista Heitor Figueiredo e com curadoria de Hugo Dinis: composta por peças feitas em barro e cozidas em fogo, traz para um espaço com uma forte inclinação para o campo da Arqueologia uma outra, criada por si nos seus últimos 25 anos de trabalho, onde dá a ver os vestígios de uma realidade extemporânea e anacrónica. O conceito curatorial auxilia-nos aqui: trata-se de um gesto hermético, cuja complexidade e indecifrabilidade se ancora no mundo onírico de onde, contrariamente ao material que as compõe, surgem todas estas peças. Trata-se de um cosmos próprio, uma arqueologia talvez de insatisfação com o real – permitam que para chegar a esta ideia me suporte na peça número 37, intitulada ‘Fui para a lua’ – fugir e criar um mundo como resposta à inação latente em não saber o que fazer.