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Não existem imagens fixas – Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira

Este é um ensaio a dois tempos, exigente por sinal, onde as expectativas de quem acredita ir encontrar peças em suporte maioritariamente fotográfico são defraudadas para serem de seguida reconstruídas. O critério do suporte não é mais suficiente para definir um evento dedicado à fotografia, esta ultrapassa-o, está para lá dele.

Na Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira, com curadoria de Ana Rito, o médium viaja para fora de si para se encontrar e pensar, não só a si mesmo, mas também nos seus recetores e no papel fulcral que estes têm na produção de imagens na contemporaneidade. Para tal, essas mesmas imagens entram em diálogo com outros elementos que vão desde objetos – criando relações com o espaço que ocupam – a palavras – diretamente produtoras de significado.

Na exposição Diante-Dentro, um dos momentos desta reflexão patente no Museu Municipal, as imagens são colocadas no domínio do tempo e do espaço, interagindo com quem vê e está. Isto torna possível refletir acerca das relações entre o fotográfico e o escultórico, criando uma infinidade de novas imagens com sentidos que se multiplicam e fluem, como no objeto brilhante que dança ao vento em plano fixo no vídeo de Manuela Marques em contraste com fotografias dos elementos flutuantes sem termos o contexto do que os eleva, mas esperando a sua queda; no jogo de ocupacidades e transparências de Henrique Pavão, em que a reprodução de uma pedra roubada do Partenon se sobrepõem à projeção de uma antiga imagem do mesmo (feita através de um retroprojetor), subtraindo-se e acrescentando-se; ou nas imagens de corpos sem rosto que habitam o espaço, de Noé Sendas.

Nesta parte podemos ainda ver a infinidade de imagens e objetos de Daniel Moreira e Rita Castro Neves, que nos falam do espaço onde se cria; as imagens de Marcelo Moscheta; e ainda a instalação de Paulo Lisboa, onde um feixe de luz atravessa a materialidade de um berlinde e se projeta num ecrã que teve a audácia de o intercetar, imprimindo uma imagem que lentamente se transfigura.

É ainda a pensar nesse conjunto de imagens ambíguas que fazemos uma breve caminhada até à fábrica das Palavras, para visitar o segundo momento desta reflexão, intitulado Não olhamos duas vezes a mesma-imagem. Este estende-se a todo o espaço da biblioteca municipal com especial atenção para a intervenção dos Os Espacialistas, em conjunto com Gonçalo M. Tavares, presentes em todos os pisos do edifício que não podia ser mais adequado ao exercício proposto pelo coletivo.

Neste segundo momento o conjunto de obras parece ultrapassar as circunstâncias da sua própria existência, vão para lá do que representam, falam sobre os modos e dispositivos do olhar. Que o diga Gary Hill com o seu duplo retrato da atriz Isabelle Huppert que nos observa e se observa a si mesma; Batia Suter, com o seu exercício platónico que se une ao contexto histórico local através da projeção numa cadeira de Alves Redol; ou as montagens poéticas de Raquel Melgue.

Todos estes trabalhos, aos quais se junta ainda Pierre Coulibeuf, em diálogo entre si, provam que, por vezes, para falar de fotografia, é preciso estar fora dela.

Ambas as exposições estão presentes na biblioteca municipal de Vila Franca de Xira e na Fábrica das palavras até dia 26 de fevereiro.

A exposição de finalistas do Prémio BFVF – vencido por Sebastiano Raimundo – no celeiro patriarcal esteve patente até dia 15 de janeiro.

Tiago Leonardo (Lisboa, 2000) licenciou-se em Ciências da Arte e do Património (FBAUL) e frequentou o curso de Jornalismo Cultural (SNBA). Atualmente está a terminar o mestrado de Estética e Estudos Artísticos, com especialização em cinema e fotografia (NOVA/FSSH) onde incide a sua investigação no pós-fotográfico dentro do contexto artístico português. No seu trabalho como escritor e colabora com diversas publicações; como o CineBlog do Instituto de Filosofia da UNL, a FITA Magazine, entre outras.

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