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Porquê no MNAC

Encontra-se patente, no MNAC, a exposição Porquê – A arte contemporânea em diálogo com o pensamento de José Saramago, por ocasião do centenário do nascimento do escritor, prémio Nobel de Literatura em 1998.

A exposição encontra-se situada numa ala do museu, onde um longo corredor abre acesso a pequenas divisões, e onde podemos observar obras significativas de um grupo de artistas, agrupadas segundo temas organizados pela curadora Ana Matos.

O modo como as obras se encontram ordenadas, alude ao pensamento literário de José Saramago. É como se afluísse a recantos da mente onde há espaço para exercícios ecfrásicos, e onde as obras de arte encontram um abrigo, um consolo na palavra.

Saramago, na própria obra “História do cerco de Lisboa”, fala de pintura. E diz-nos que “a pintura não é mais do que literatura feita com pincéis”, e que, antes mesmo de a humanidade saber escrever já se pintava, e desenhava.

A exposição Porquê, uma proposta de diálogo da arte contemporânea com o pensamento de José Saramago, abre campo para uma atenção demorada, para o questionamento, para a reflexão.

A curadora da exposição reforça, no seu texto de sala, a importância, nesta exposição, das palavras do escritor, sobretudo quando afirmava: “Toda a literatura é um palimpsesto”.

Sabemos que, tal como na literatura, a obra de arte é feita muitas vezes do resgate de ideias provenientes de tempos antigos, outras vezes da arte do seu próprio tempo. As obras vão, assim, desse modo, se configurando, e transformando em reflexos de épocas distintas, umas vezes por meio de citações bem identificadas outras vezes traduzindo-se em ecos esparsos sobre esses mesmos fundamentos, ou padrões.

Nesse demorado processo de transfiguração, de metamorfose, a arte vai repetindo alguns princípios, outras vezes vai estabelecendo rupturas com os mesmos, no entanto, sem perder de vista a sua ligação, e dependência, com a história.

É como se se tratasse de uma reescrita, de “um raspar para escrever de novo”, de um emendar para conseguir algo melhor, ou, quiçá, mais comprometido, talvez, com os deveres cívicos, e éticos da sociedade. Não raras vezes, nas obras do escritor, ressaltam pequenos pensamentos, ou comentários, sobre as diferenças sociais, ou ressalvas sobre os desníveis existentes entre os seres humanos.

Os núcleos abordados nesta exposição reflectem essas inquietações do escritor, esse compromisso com o outro, e com a sociedade. As obras surgem organizadas segundo temas, como os Direitos Humanos, a Identidade e Alteralidade, Sustentabilidade, Memória e Palavra.

Sobre as paredes brancas, a adornar a entrada de cada uma das salas, encontramos frases de Saramago, e é nessa confluência que se forma o corpo coeso da exposição. Uma exposição que gira em torno do discurso humano do escritor, e a sua extensa obra. Uma das frases que destacaria é a que se encontra compreendida na área da sustentabilidade, e que passo a citar: “Eu entendo a felicidade como uma relação de harmonia, como uma relação estreita da pessoa com a sociedade, com aqueles que lhe são próximos e com o meio ambiente”.

Esta exposição é, por isso, momento privilegiado para observar obras dos artistas constantes no acervo do Museu e, em simultâneo, oportunidade para assistir a uma configuração, e complementaridade, estabelecidas entre obras e palavras.

A exposição Porquê compreende os seguintes artistas: Alberto Carneiro, Álvaro Lapa, Ana Vieira, André Cepeda, António Pedro, António Sena, Bartolomeu Cid dos Santos, Carlos Nogueira, Fernando Brito, Fernando Calhau, Fernando Lemos, Filipa César, Helena Almeida, João Tabarra, João Vieira, Jorge Molder, José de Brito, Júlia Ventura, Julião Sarmento, Júlio Pomar, Júlio Resende, Lourdes Castro, Luísa Cunha, Nikias Shapinakis, Paulo Nozolino, Pedro Gomes, Querubim Lapa, Sallete Tavares, Vasco Araújo.

Até 8 de janeiro no MNAC.

Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador. (fotografia: Eurico Lino Vale)

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