(tempo) destempo na Plataforma Revólver
(tempo) destempo é uma exposição que se encontra patente na Plataforma Revólver.
A exposição, com curadoria de Ricardo Escarduça, compreende a participação de seis artistas, André Banha, Catarina Mil-Homens, Dalila Gonçalves, Edgar Massul, Miguel Ângelo Rocha e Rita Gaspar Vieira.
Em grande plano, à entrada da exposição, vislumbra-se Em branco (2022), de Rita Gaspar Vieira. Um longo e sinuoso manto branco, suspenso, feito de papel de algodão manufacturado, esgueira-se pelo espaço. Sobre as suas inúmeras ondulações poisam pequenos recipientes. A aparentar malgas envelhecidas, as peças sugerem objetos reciclados, alguns deles amolgados e macerados pelo tempo. Na instalação encontram-se evidências já manifestadas de outras obras da artista, como a intervenção em materiais reciclados e reutilizados, ou a abordagem de temas, como a ideia de mesa, enquanto lugar de interacção e partilha. Serpenteando o espaço que ocupa, em posição oblíqua à planta da sala, revela, sobre a superfície ondeante, linhas finas, que atravessam, de modo rectilíneo, o manto, e revelam um padrão quadriculado, que todos associamos a uma mesa posta.
Numa sala contígua à sala descrita, encontramos, depois, Ápice Lento (2022) de Catarina Mil-Homens.
Um fio branco, de algodão fino, coberto por carvão, irrompe do topo da parede e vai alojar-se, em perfeita tensão com a base. Conforme a posição em que nos encontramos, os fios ora se tornam quentes, ora simultaneamente se revelam frios e quentes[1].
A tensão que apresenta é reforçada por uma folha de papel branco, enrolado, que o separa da parede. Há sombra, nessa linha, e um pouco de grão negro, que se distende sobre a superfície branca, de modo vertical.
A linha, como desenho, é simultaneamente traço sobre a superfície, ou elemento em tensão, no espaço. Na sala onde se encontra, há, pelo menos, em número de sete, essas linhas fixadas sobre a parede. Repetem o sentido, e os elementos que a constituem. Lembram, na música, as cordas de um instrumento, ou as pautas musicais, adornadas com claves de fá. Se virmos a instalação da artista, nessa perspectiva sonora, as formas rectilíneas surgem assim a dividir o espaço, e o tempo, de modo cadenciado. Também recordam a ideia de linhas silenciosas, e de sonoridades reduzidas até ao mínimo[2]. Contudo também podem ser vislumbrados resquícios de uma ideia platónica de eternidade, por meio de um ato de repetição, que se deseja pronunciar, infindável.
A peça de porcelana Vazios (2019), de Dalila Gonçalves, revela-nos o fazer artesanal. A matéria é revolvida pelas mãos da artista, e depois, pressionada sobre favos de abelhas, conferindo-lhe uma textura retiforme.
Propriedades naturais e artificiais, funcionais e artesanais, parecem eclodir das experiências da artista. A base destas relações de opostos, destes jogos experimentais, destas transações e fusões, estabelece-se muitas vezes por meio dos objetos.
Atrapa Sonido (série Atrapa Sonidos) (2019) e Pontear (2022) são outros dos objetos da artista presentes na exposição.
Edgar Massul apresenta-nos Wine Drawings (2018), uma série de desenhos feitos de borras de vinho tinto, e água sobre papel.
Próximo da fonte. Escrevo-te para ser o mais errado possível, perdemos o sabor original (2022) é uma instalação do mesmo artista. Massul recorre a diferentes elementos: uma ardósia negra, a luz uv-a, a água fluorescente, a uma bomba de água submersível, a um tabuleiro, alguns panos, ramos de eucalipto, e canas dimensões variáveis. A instalação é acolhida com pouca luz. Num primeiro contacto, só se consegue apreender as canas dispostas na vertical, como que a proteger um complexo sistema de objetos ao fundo. Do que se consegue depreender do interior é uma imagem difusa de uma ardósia irregular, uma ténue luz índigo no seu topo, emergindo o som cristalino de água a correr.
As peças escultóricas de Miguel Ângelo Rocha, em contraplacado marítimo, fluídas e helicoidais, intensificam a ligeira ligação orgânica que se estabelece entre as obras apresentadas.
Por fim, a instalação do artista André Banha, Segurei-te o pôr-do-sol (2008-2022). Uma construção em forma de habitáculo, feita de madeira de pinho, enfatiza a ideia do fazer artesanal, e que, amiúde, traduz uma das mensagens mais consolidadas da exposição, o tempo, o gesto, o corpo, a manualidade, o erro.
(tempo) destempo está patente na Plataforma Revólver até 31 de dezembro.
[1] Kandinsky, W. (2006) Wassily Kandinsky, Ponto, Linha, Plano. Edições 70
[2] Ibidem