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Suor Frio

A propósito da apresentação do livro Suor Frio Cold Sweat, a 5 de Novembro, na Sala dos Couros do espaço Brotéria, a artista estoniana Kadri Mälk veio a Portugal a convite da PIN – Associação Portuguesa de Joalharia Contemporânea.

Kadri Mälk (1958) é uma artista joalheira que foi coordenadora do Departamento de Joalharia na Estonian Academy of Arts, em Tallinn, onde agora é professora emérita. Em 1986 licenciou-se em Joalharia pela mesma instituição e também estudou pintura. Mais tarde, dedicou-se ao estudo da Gemologia no Lahti Institute of Design, na Finlândia, sob a direcção de Esko Timonen, e fez uma formação no estúdio de lapidação de Bernd Munsteiner, na Alemanha. Mälk participou em exposições por todo o mundo e tem quatro livros publicados sobre a sua obra, a sua coleção e sobre a sua professora, a artista joalheira Leili Kuldkepp.

O conhecimento profundo e o gosto pelos materiais marcaram o trabalho de Mälk de forma irreversível, conferindo-lhe um pendor um tanto místico e espiritual. Nas suas criações usa matérias de diferente natureza, metais tais como o ouro e a prata, peles e pelo de animais, pérolas e pedras preciosas que identifica terem propriedades específicas, de uma natureza não exclusivamente física – «a turmalina preta é uma pedra de proteção. Quando a tenho posta e a tiro, sinto-me desamparada.» (Kadri Mälk)[1] ou minerais sólidos, tais como a shungite, conhecida por “ouro negro” e que apenas pode ser encontrada em Shunga, numa pequena vila em Karelia ou em São Petersburgo. Mälk tem um gosto especial por raridades – «Toupeira, o pelo do animal. Tenho-o do tempo da Guerra, do casaco da minha avó. Quando não podia comprar-se nada, ela fez um casaco com o pelo e depois, um dia, cortou-o aos retalhos e enviou-mos, enrolados em papel de seda. E eu comecei a pensar o que fazer com eles.»(Kadri Mälk)[2]

Foi através de Kadri Mälk e de õhuLoss, o colectivo de artistas joalheiros que integra, que se foi desenvolvendo uma estreita e longa colaboração entre joalheiros portugueses e estonianos, que se concretizou no intercâmbio de professores e alunos entre a Estonian Academy of Arts em Tallinn e o Ar.Co (Centro de Arte e Comunicação Visual)  em Lisboa, e a ESAD (Escola Superior de Artes e Design) em Matosinhos, e pela realização de várias exposições colectivas em ambos os países. A relação de Mälk com Portugal tornou-se tão estreita que, em 2003, o então presidente Jorge Sampaio atribuiu-lhe a Ordem de Mérito, aquando da sua visita de Estado à Estónia.

Mais recentemente, em 2021, Kadri Mälk integrou o Conselho Científico da 1a Bienal de Joalharia Contemporânea de Lisboa, que decorreu entre 16 de

Setembro e 20 de Novembro de 2021, com o apoio da DGArtes, a que deu o nome de Cold Sweat (Suor Frio) uma denominação directamente influenciada pela atmosfera da pandemia [3] e apresentou, num dos colóquios, um texto sobre o medo, no âmbito do tema principal desta Bienal «Corpo Medo Proteção». Este texto integra o livro Suor Frio Cold Sweat que estará disponível para venda, a partir do dia 21 de Dezembro, na PIN. pin@pin.pt O livro reúne o catálogo da exposição Suor Frio e os artigos dos

colóquios «Corpo Medo Proteção» e «Coroa Preciosa».[4]

Mälk fez um balanço muito positivo da Bienal – «Eu penso que a pandemia, em termos de impacto no campo da joalharia, ainda assim teve uma influência positiva. Porque as pessoas tiveram tempo para pensar acerca do que estavam a fazer e tempo para trabalhar. O medo é uma noção com dupla face. O medo pode ser negativo, mas também pode ser positivo. Eu tento relevar o lado positivo do medo, para fortalecer o espírito. Algumas pessoas paralisam, mas outras criam coisas. É uma coisa espiritual! É uma noção muito poderosa. Eu criei várias peças a partir dessa emoção. Por isso a Bienal foi tão importante para os artistas que participaram nela e para a joalharia a nível mundial. Nessa altura, eu fiz a minha participação em vídeo, porque não pude estar fisicamente presente, por encontrar-me numa cadeira de rodas.» (Kadri Mälk)[5]

Mälk criou uma jóia para esse contexto específico chamada Cold Sweat (Suor Frio) com o mesmo nome da Bienal, que esteve exposta no Galeria de Exposições Temporárias do Museu de São Roque, e que integra agora a coleção privada da joalheira Tereza Seabra. Para além disso, também integrado no projecto da Bienal, o colectivo õhuLoss de seis artistas joalheiros (Piret Hirv, Kristiina Laurits, Villu Plink, Tanel Veenre e Eve Margus-Villems) que Kadri Mälk integra desde 1999, apresentou uma exposição no espaço Bróteria.

O contributo de Kadri Mälk para a Bienal não se cingiu à sua criação e colaboração no Conselho Científico da mesma. Mälk fez questão de adquirir a joia de edição limitada (seis peças numeradas) que o artista suiço Christoph Zellweger criou para apoiar o evento e que é a capa do livro Suor Frio Cold Sweat, demostrando o seu gosto em apoiar a PIN – Associação Portuguesa de Joalharia Contemporânea, entidade organizadora da Bienal. – «Eu comprei esta peça porque gosto de apoiar a PIN. Eu queria o número 5 (o quinto exemplar). Sei que o primeiro exemplar foi comprado pela colecionadora Susan Cummings, directora do Art Jewelry Forum de São Francisco e que o segundo exemplar foi comprado pela colecionadora, artista e galerista Tereza Seabra.»

Que Kadri Mälk tem um apreço muito especial pelos joalheiros portugueses, não há qualquer dúvida. Já na sua última exposição individual no nosso país Post-Testament, em 2019, com a curadoria de Cristina Filipe, presidente da direcção da PIN e curadora geral da Bienal, no Antiquário Manuel Castilho, em Lisboa, Kadri mostrou grande satisfação pela organização deste evento e tem sempre uma palavra de apreciação quando se refere ao trabalho das galerias de joalharia no nosso país – «A Galeria Reverso, por exemplo… manter uma galeria como aquela, este tempo todo em Portugal, como a artista Paula Crespo o fez, é qualquer coisa de especial. Um milagre. É um milagre! E tem a ver com consistência. A Paula Crespo e outras galeristas, como Tereza Seabra, são selectivas. Sabem o que querem. E são muito flexíveis. Quando organizam exposições, se as/os artistas quiserem inserir um video na sala como complemento, ou realizar um outro tipo de instalação, podem fazê-lo. Aceitam coisas diferentes.» [6]

 

Nota: Jini Afonso não escreve ao abrigo do AO90

 

 

 

 

[1] Kadri Mälk em conversa com Jini Afonso. Lisboa, 4 de Novembro de 2022.

[2] Kadri Mälk em conversa com Jini Afonso. Lisboa, 4 de Novembro de 2022.

[3] «Ficamos com suor frio na pele, quando somos confrontados com algo terrível que vai acontecer, que não se pode evitar. Ficamos com suor frio quando, de repente, sentimos medo, sentimos medo e a solidão a chegar. Desamparo. O suor frio é sinal de um súbito e significativo stress, que pode ser de origem física ou psicológica, ou uns combinação dos dois.» Mälk K. (2022) In C. Filipe (Ed.) Suor Frio Cold Sweat (p. 448). PIN;

MUDE/CML; MSR/SCML; UCP/EA/CITAR

[4] “O livro Suor Frio Cold Sweat — título da 1a Bienal de Joalharia Contemporânea de Lisboa —, com a coordenação editorial de Cristina Filipe, reúne o catálogo da exposição homónima e os artigos dos colóquios «Corpo Medo Proteção» e «Coroa Preciosa», bem como do «Encerramento», que decorreram durante a Bienal.

A narrativa visual de cerca de duzentas e vinte obras contemporâneas de setenta e dois artistas internacionais de diferentes disciplinas — na sua maioria joalharia, mas também fotografia, escultura, design, instalação, filme e performance — apresentadas in situ durante a exposição na Galeria, Igreja e Museu de São Roque e no Museu da Farmácia, em estreito diálogo com as respetivas coleções e com o acervo do Arquivo Histórico da SCML e da Casa Ásia, Coleção Francisco Capelo, culmina num conjunto singular de treze textos académicos de investigadores de várias disciplinas — história de arte e design, filosofia, teologia, gemologia, antropologia — cuja multiplicidade dos discursos convida o leitor a refletir sobre a produção artística contemporânea em torno de questões relacionadas com o período pandémico e pós-pandémico que atravessamos.” in C. Filipe (Ed.2022) Suor Frio Cold Sweat (contracapa). PIN; MUDE/CML; MSR/SCML;UCP/EA/CITAR,

[5] Kadri Mälk em conversa com Jini Afonso. Lisboa, 4 de Novembro de 2022.

[6] Kadri Mälk em conversa com Jini Afonso. Lisboa, 4 de Novembro de 2022.

Jini Afonso formou-se e fez mestrado em Filosofia pela Universidade NOVA de Lisboa, tem uma pós-graduação em Ciências da Informação pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e o mestrado em Curadoria e Crítica de Arte pela University of the Arts London, Chelsea College of Art & Design. Participou em alguns projectos como co-curadora: no Brilliant Sound at Late at Tate, na Tate Britain e One Night Stands Projects (1,2,3) no Wimbledon College, em Londres, e como curadora-assistente: no Project Flags na Kunstfack School of Art and Design, Stockholm, na Berlin Fair of Contemporary Jewellery e no projecto Impressions on Contemporary Jewellery em Nuremberga. Foi directora do Centro de Documentação do INETE, formadora em Comunicação e Gestão da Informação no mesmo instituto e professora de Filosofia e Psicologia em diferentes Escolas Secundárias. Na Índia, fez a sua formação em Yoga na Yoga Vidya School, o Curso de Kundalini na Agama Yoga School e especializou-se em Meditação com Dev Narayan; e na Suíça especializou-se em Yoga Therapy com Doug Keller. Já em Portugal fez a Formação Introdutória à Terapia Somática (Somatic Experience) pela Somatic - Escola de Psicoterapias Corporais, os cursos Diploma e Expert de Hipnose Clínica, Transpessoal e Regressiva, pela Transpersonal Internacional e a Formação do dISPAr, grupo de Teatro do ISPA. Jini é hipnoterapeuta, formadora em Hipnose Clínica, professora de Yoga e Meditação e crítica de Arte. Tem especial interesse pelas teorias das Artes Performativas (com destaque para o Teatro Físico e o Improviso) pelo Psicodrama, as viagens, a poesia e a fotografia.

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