Entrevista com os primeira desordem, autores da capa do mês
primeira desordem, o projeto composto por Hugo Gomes e João Marques, é a capa do mês de novembro da Umbigo; altura pela qual a banda skate-punk-rock que lhe deu mote (e nome) parece estar a ver concretizado o nascimento há muito anunciado. À Umbigo, o duo evidenciou o gosto por ficcionar a realidade, uma constante vontade de ir à aventura, de forçar os limites e tentar transformar as experiências em ideias, ou estas em objetos. Enquanto ser híbrido entre o atelier e a rua, que vê no espaço público e partilhado, o acaso, o erro, a chance e o ponto de partida para que a obra aconteça, os primeira desordem navegam contra expectativas e hierarquias, redefinindo significados e representações, pois afinal crime crime é não questionar.
Mafalda Ruão – Comecemos pelo início e, portanto, pela pergunta que tem permanecido sem resposta: afinal para quando a skate-punk-rock band que deu mote a isto tudo? Para quando o primeiro álbum?
Primeira Desordem – No início, estávamos com dificuldade em escolher um nome que pudesse identificar a nossa prática artística então, decidimos mudar o paradigma e tentar inventar um nome para uma banda de punk rock. Esse exercício foi mais fácil e depressa surgiu o nome primeira desordem, e acabámos por assumir — autoficcionando a nossa identidade — que a banda poderia mesmo existir. Neste momento em que estamos a responder a esta entrevista, a banda ainda não existe, mas tudo indica que quando a entrevista for publicada, a banda já existirá.
MR – O que vos move e faz querer acordar de manhã para criar?
PD – Ficamos facilmente entusiasmados com a premissa de edificar, criar, concretizar algo que não existe, e com a aventura que está implicada nesse processo. Muitas vezes os nossos trabalhos, as nossas criações, nascem de uma frase, às vezes um pré-título de uma peça, ou até uma pergunta (por exemplo em The Kids Are Alright surgiu-nos a pergunta — será que maus desenhos podem originar boas esculturas? E fomos procurar a resposta).
No nosso modo de operar, é muito frequente as ideias apareceram com uma continuidade, uma resposta a uma ideia anterior, ou uma relação com outra ideia que já tínhamos antes e, que noutro momento temporal, ganham o protagonismo e o espaço para serem trabalhadas.
O facto de se trabalhar em dupla facilita muito: quando um tem a pergunta o outro tem a resposta, quando um tem a sugestão o outro tem a mão na massa, quando um tem dúvidas o outro também tem dúvidas.
MR – Olho para o vosso trabalho e fica-me a questão: diriam ser artistas de atelier ou artistas de rua?
PD – Não achamos que essa dicotomia esteja assim tão definida na nossa prática. O nosso processo existe num estado híbrido entre esses dois lugares. Mas é através da rua, enquanto espaço público partilhado, que o processo se inicia.
MR – Atentando em projetos como The Kids Are Alright (2022), Perfect mud balls (2021) e Escavação (2017) ou o happening It’s not unusual suspects (2018); qual é o papel que o “erro” e o acaso desempenham na vossa criação?
PD – Por vezes o acaso acontece para nós podermos trabalhar sobre ele — costuma ser, portanto, um aliado ou até um colega de trabalho. Por exemplo, no vídeo Escavação foi o acaso que nos sugeriu um caminho. Já em The Kids Are Alright, o erro, a falha técnica (deliberadamente procurados) tornam-se o centro da atenção, indicando assim o método formal e conceptual a percorrer.
MR – Falando em aliado, ou o observador-participante que faz a obra acontecer, tal como na performance NOT A big EVENT (2021); qual foi aqui a vossa motivação?
PD – O NOT A big EVENT surgiu primeiramente de uma vontade de fazermos um churrasco no nosso atelier e juntar amigos. Reduzir a escala do grelhador, das espetadas e da coluna tinha como objetivo alterar a forma como interagimos nessas situações, adicionando este elemento estranho. O caráter performativo da ação refletia-se na forma como colocávamos o carvão, mantínhamos o fogo, virávamos as espetadas. Tivemos de treinar esse novo conjunto de gestos, adaptando-nos a essa dimensão reduzida. As pessoas que lá estavam, nesse convívio descontraído, estavam condicionadas a manter o papel de público perante essa performance.
MR – Da vossa relação com o público e da relação deste com a vossa obra, alguma vez se sentiram incompreendidos?
PD – Existe por vezes uma auto-identificação generalizada de algum público com a nossa prática. Sugerem-nos ideias, ações que acham que devemos ser nós a concretizar. Essa idealização exterior do que é (ou pode ser) o nosso trabalho, coloca-nos num espaço compartimentado. É através dessa expectativa do público sobre o nosso trabalho, e sobre a forma prática de como o desenvolvemos, que por vezes nos podemos sentir incompreendidos.
MR – De olhos postos no futuro, qual é o crime perfeito ainda por vir? O que está nos vossos planos?
PD – A perfeição é crime.
Nem a nós próprios devemos revelar os nossos planos.