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The Tale – Tiago Baptista na Rialto6

The Tale, exposição individual de Tiago Baptista, está patente na Rialto6 e conta com treze obras produzidas neste ano para a presente mostra. Com curadoria de Susana Ventura, o título vem de uma música da compositora e artista multidisciplinar Meredith Monk. Combinando diferentes linguagens, Tiago estende o seu conto, pela primeira vez, para além da pintura.

O olhar, que aos poucos se adapta ao ambiente escuro, é guiado por pontos de luz. Atraídos para o interior da terra, as estalactites que descendem do teto da caverna em O pelo da terra direcionam-se aqui à superfície do corpo humano. O tempo está inscrito na matéria derretida em espiral e a interconexão entre natureza e ser humano se apresenta não só na releitura de Section of Kirkdale Cavern, de Orra White, como em todo o conjunto de obras da exposição.

Um convite a penetrar a espiral no espaço, O pirilampo patudo tem a sua própria luz. Segundo Susana Ventura, “Esta é uma pintura que devia ser observada à luz de uma lua cheia sob um céu estrelado”. Como na natureza, percebemos sua bioluminescência se houver atenção ao tecido da noite. A presença da autoria curatorial reflete como a perceção do espaço influencia na perceção da obra de arte e traz dispositivos que despertam uma nova visão do trabalho de Tiago Baptista, apresentando também elementos pontuais de sua trajetória, como as pinturas murais e a instalação da tela perpendicular à parede.

A folha de sala é mais do que um material complementar em The Tale. Com design assinado por OH!MANA, o objeto estabelece sentidos da experiência para além do espaço expositivo. Combinando diferentes intervenções textuais, a escrita performativa de Susana Ventura propõe ao leitor um movimento em espiral que acompanha as onze notas do texto. O recorte presente no centro da folha de sala sugere uma ausência – ou presença – que se preenche na experiência da exposição, pontuando mais um elemento destacado na pintura de Tiago; o fragmento.

Esse deslocamento de partes cria um diálogo não só entre as obras do artista, mas aqui sugerem processos de inter-relação e conexão entre todas as coisas. Acompanhado da espiral – que na Biblioteca de Babel guarda todo o conhecimento do mundo e simboliza o universo do viajante eterno – carrega em suas frações o infinito de um tempo não linear. O emblema aponta para uma reestruturação da relação do ser humano com a natureza, sugerindo uma coexistência complementar em um lugar onde não existe fora. Um instante do vídeo A dança farta figura o contorno do dorso representado em O voo cortado, agora em movimento rotacional num tempo dilatado e em busca de equilíbrio.

Compressão aqui surge com uma espécie de vertigem, confundindo escalas e distâncias no movimento do espectador, que a cada degrau se aproxima da pintura. Nas formações rochosas encontramos uma arqueologia do devir e a intervenção humana a deixar sua impressão no corpo da terra. Em The Tale, as cores definem as superfícies sobre transformações petrificadas. A disposição das obras no Piso -1 configura um cenário de aspeto onírico e teatral, com o protagonismo das sombras que expandem as quatro esculturas, desenhando seu reflexo no chão e nas paredes da galeria.

Inscrito na essência do mistério, no centro de uma tempestade, no interior de uma árvore, na nossa impressão digital, nas conchas e nas cascas dos caracóis – suspensos em O canto dos caracóis e a deslizar sobre as cores que se revezam no ecrã em A trama – o espiral está presente mesmo quando oculto. Numa translucidez gelatinosa, os caracóis seguem em seu tempo particular propondo ao espectador uma desaceleração, uma observação delongada de peças que se complementam. Afinal, qual é o tempo de contemplação de uma pintura? Entre as fendas esculpidas sobre a superfície da terra, a exposição deixa um convite a seguir por um Caminho Auspicioso,no qual a sombra fica para trás e a direção se ilumina, resistindo na boca da noite um gosto de sol[1].

The Tale está patente na Rialto6 até ao dia 16 de dezembro de 2022.

 

 

 

[1] Trecho da música “Nada será como antes” (1972). Composição de Beto Guedes e Milton Nascimento.

Ana Grebler (Belo Horizonte - Brasil) é artista, curadora e escritora. Graduada em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG - Escola Guignard) e pós-graduada em Curadoria de Arte na Universidade Nova de Lisboa (FCSH). Participou de exposições coletivas no Brasil e organizou as exposições Canil (2024), Deslize (2023) e O horizonte é o meio (2022), em Lisboa. Colabora com a Umbigo Magazine com ensaios, críticas e entrevistas, e atua nas parcerias internacionais da plataforma. Na intersecção de práticas, reflete sobre a cultura visual contemporânea criando diálogos e imaginários entre espaços e processos artísticos em cruzamento. Atualmente vive e trabalha em Lisboa.

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