O Inesperado e Esplendoroso Salón (do Rego)
Não é um Salón ao jeito do século XIX. É inesperado sim, e esplendoroso também. Sete amigos juntam-se e dois deles lançam o repto, “vamos fazer uma exposição”, e assim se inicia um longo processo de experimentação onde trabalho e diversão se camuflam dando origem a este inesperado e esplendoroso Salón. No espaço do atelier de Nuno Sousa Vieira e Rita Gaspar Vieira reúnem-se trabalhos de José Loureiro, Mariana Gomes, Nuno Sousa Vieira, Pedro Valdez Cardoso e Rita Gaspar Vieira.
A curadoria é de Sérgio Fazenda Rodrigues que, renegando a ideia de Salón do século XIX onde as paredes eram densamente povoadas, opta por liberta-las de qualquer instalação e desafiar o grupo a propor algo para uma estante metálica colocada ao centro do espaço. Recupera e inverte a ideia de gabinete de curiosidades transformando-a num suporte aberto que permite vislumbrar o que contém em todas as suas frentes e de onde se projetam algumas das peças contaminando o espaço envolvente.
A folha de sala conta com o design de Vera Velez e deixa transparecer o universo sarcástico, divertido e burlesco que a exposição encerra. Nela lê-se “buscam-se novos limites entre a experiência descomprometida e a frescura que a diversão comporta, sem outras pretensões que não sejam as da procura, as da provocação e as do desvio”. A exposição é isso mesmo, uma provocação, um desvio que aligeira a seriedade taciturna associada à História, podendo toda ela ser lida como uma só instalação que contém o trabalho de todos os artistas.
Uma instalação que não é de modo algum alheia ao espaço onde se insere. Colocada enviesada ao seu centro desenha uma espécie de bolsa que nos convida a entrar e estabelece uma estreita relação com o enorme vão na fachada principal que é enfatizada quando o mesmo é aberto e emoldura a rua que se desenrola à sua frente. A profundidade e dinamismo formal entre os dois elementos lembra as perspetivas renascentistas ou a luz que penetra nos interiores das pinturas de Edward Hopper.
O objeto articula e potencia relações inesperadas e insólitas entre os vários trabalhos que dialogam entre quatro níveis e do centro para a periferia. A sua diversidade é aglutinada através do elemento industrial da estante metálica e o nosso olhado é guiado através de uma ideia de moldura, formalmente presente quer nas pinturas e vídeos de Mariana Gomes, quer nas estruturas de antigos caixilhos utilizados por Nuno de Sousa Vieira.
Não existe frente nem verso. Existe um jogo que assenta na profundidade ou no reflexo do olhar que surpreende o observador através dos ecos ou reverberações que se estabelecem entre os trabalhos de natureza distinta dos vários intervenientes nas suas várias frentes. A ironia e o sarcasmo contaminam a mostra através dos diálogos contraditórios ou complementares que vamos encontrando à medida que o corpo se movimenta e o olhar se desloca de objeto em objeto.
As duas pinturas de José Loureiro encabeçam o conjunto e recebem quem chega ao espaço do atelier. Os inúmeros olhos que brotam da cabeça do retrato de Loureiro juntamente com as cabeças de Mariana Gomes que nos espreitam a vários níveis, intimidam e devolvem-nos o nosso próprio olhar numa dicotomia entre o ver e o ser visto. O sentimento de chegar a casa é-nos sugerido pelos sapatos de Pedro Valdez Cardoso “arrumados” na base da estante.
As estruturas metálicas de Nuno de Sousa Vieira acopladas à laterais da estante convidam-nos a contornar o objeto e a descobrir o conjunto de peças ao mesmo tempo que refletem através de espelhos os trabalhos de outros artistas ou o espaço que as envolve. O movimento do corpo é detido no espaço gerado pelas duas pinturas de Mariana Gomes colocadas numa das arestas da estante que em diálogo com o canto do espaço do atelier desenham um momento de pausa.
A ideia de duplicação está ainda presente na obra de Pedro Valdez Cardoso Sem título (duplo). Já os Desenhos retirados do seu lugar de Rita Gaspar Vieira são devolvidos à sua posição original, horizontal, sugerindo a arqueologia das superfícies que lhes deram origem através de uma acumulação de camadas sobrepostas, de material e de tempo, que escondem ao mesmo tempo que revelam.
Não se trata de uma estrutura rígida, não se trata de um objeto fechado e resolvido, trata-se sim de um organismo vivo que se poderá ir desenvolvendo ou modificando ao longo do tempo, personificando uma exposição repleta de ambiguidades, descomprometida, mas não menos séria, que em tom de brincadeira, e em jeito de provocação, sarcasticamente questiona lugares pré-estabelecidos conduzindo-nos a uma reflexão acerca desses mesmos lugares.
O espírito, humor e ironia de O Inesperado e Esplendoroso Salón (do Rego) contagiam e envolvem necessariamente quem o visita devolvendo-lhe a boa disposição. Apenas até ao dia 30 de novembro, a exposição poderá ser visitada mediante marcação.