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TNT: Terrassa Noves Tendències / 28 de setembro – 2 de outubro, 2022

i protect you and you don’t know it

 

there will be something else

look for a wave

is that you?

 

what do I say?

i don’t know

what you talk about now it doesn’t matter

 

i know i protect you

i disarm myself

 

 always

 

i want to be a door for you

the jaw of a horse

that is you

 

  is not what you are

 is what I am

 

-Alberto Cortés, One Night at the Golden Bar

 

As relações íntimas entre amigos, namorados ou cidadãos precisam sempre de decência e vulnerabilidade. A intimidade com um corpo em palco, com as suas implicações afetivas e sociais, com os seus medos, provoca o quê no corpo de um espectador? Alberto Cortés, diretor/dramaturgo/performer/escritor apresentou uma nova obra intitulada One Night at the Golden Bar, no contexto do TNT: Terrassa Noves Tendències 2022. Esta peça, através da presença, transformou vidas graças à lúcida sinceridade do amor que Cortés canalizou. O teatro foi transformado numa igreja, com uma peça devocional e confessional composta pela escrita, o canto, a dança e o ser. O trabalho de Cortés mostra a essência de um festival dedicado a novas tendências na performance – novidade, renovação, renascimento. Há outra razão para que exista esse festival: apresentar formatos que resultem de alinhamentos que cruzam expectativas, motivos e mecanismos de performance. Neste sentido, a obra Washington, dirigida por Matías Daporta e corealizada com Julián Pacomio, rompeu com as convenções do espetáculo, apresentando-se como um “casting” ao vivo para concluir uma trilogia de Lars von Trier, incluindo o público nas trocas simbólicas entre ator, realizador e plateia de forma paraficcional, repetitiva e generosa.

É difícil escrever sobre performance pois esta situa-se no tempo e no espaço e foge à materialidade da documentação qual animal selvagem. Não é traduzível. Não é dedutível. Não é estática. Tendo já visto uma série de performances no TNT, o que ressalta após todo esse movimento é o sentido de comunidade surgido em torno de cada evento teatral. No fundo, este festival constitui uma forma comunicativa de fazer o mundo – através da palavra falada, não da palavra escrita. As redes formam-se e reformam-se. Conversas sobre conteúdos que evoluem para novas colaborações. Caminhar de e para os teatros, aguardar, esperar por mesas nos bares, não conhecer toda a gente, não ligar ao não saber.

Estas dinâmicas pontuais assumem-se verdadeiras na reflexão sobre o TNT. Quando a comunidade é formada organicamente, o projeto (seja ele qual for) é um sucesso.

Em conversa com Matías Daporta, ele falou com eloquência sobre o seu trabalho nas diferentes disciplinas e o posicionamento deste sobre cinema, teatro e escrita: mesmo havendo coerência, existem formas de a criar através da nossa política solidária. Há algo na ética do trabalho e há pessoas que estão mais orientadas para a composição do espaço e para questões mais performativas. O meu interesse não é exclusivo. Podemos até ter uma perspetiva de interesse pessoal. São muitas as camadas que permitem ao público ter várias leituras e experiências. É um erro pensarmos que a coerência é limitativa, creio que é o oposto”. Sobre o seu trabalho com o resto da equipa e as suas diferentes origens: “Primeiro pedi às pessoas para terem conversas especulativas sobre a trilogia de Lars van Trier e, a partir daí, surgiram muitas ideias, fantasiámos. Fechei-me nos Pirenéus para escrever durante dois meses. O guião de Washington não está terminado, mas já havia material suficiente para trabalhar nele. Depois, com o Julián Pacomio, desenvolvemos a performance e o ritmo, e escolhemos quatro cenas diferentes. Não queria dizer em que ponto Washington estava; queria criar possibilidades. Por isso, foi colocada em três locais. Basta mudar algumas palavras numa cena e o contexto é diferente”. Daporta tem uma prática curatorial baseada na investigação, bem como uma prática artística. Diz que a análise complexa é perigosa. “Quando tento ser crítico, as pessoas levam isso a peito, e não acham que essa abordagem estimule uma discussão interessante e uma possibilidade de crescimento”. Que encontros ou contexto são necessários para experimentar a multiplicidade enquanto agente cultural válido?

Muitas figuras, incluindo Daporta, exercem o movimento entre mundos. Daporta diz: “veja-se quanto tempo a Yoko Ono precisou para ser reconhecida”. Ou seja, as linhas entre as categorias “curador”, “artista”, “dramaturga”, “intérprete” podem demorar algum tempo a serem dissolvidas numa aceção criativa geral, que pode viver numa só pessoa em simultâneo. Sobre o mesmo assunto, Julián Pacomio faz uma análise única segundo a qual “a multiplicidade cria uma divisão”, e como ele organiza estas linhas de impacto e de trabalho: “é interessante, porque muda com o tempo. Costumava achar que não ter especialização era um problema. Agora, trabalho com maior confiança em tudo o que faço e no que diz respeito ao pensamento curatorial, ao pensamento dramatúrgico e ao pensamento coreográfico. É muito importante colaborar com outros artistas, não com pessoas demasiado especializadas numa coisa, para compreender melhor o trabalho na generalidade. Quando começo a perceber o trabalho de outra pessoa, consigo entrar nele”. Pacomio está a preparar diversos projetos para o próximo ano: “em 2023, vou trabalhar na segunda parte de apocalypsis, Toda a luz do meio-dia, estou a desenvolver a noção de meio-dia, a trabalhar com imaginários. A ideia de sol, onde não há sombras, muito calor, nenhum ar. A imagem de Van Gogh dos trabalhadores do campo e a de Bruegel dos trabalhadores que dormem debaixo de uma árvore. Em Espanha, há imagens de duas “siestas”: a anterior ao almoço “la siesta del carnero”, uma sesta durante o meio-dia, e uma segunda “siesta” depois do almoço. Estou a pesquisar e a escrever sobre estas imagens. Tenho escrito muito sobre o sol, a sua luz e sobre o fogo”.

“Eu protejo-te e tu não o sabes” (Alberto Cortés). Talvez estejamos protegidos de ser apenas uma coisa, apenas um tipo de humano, apenas um tipo de criador. Não o sabemos porque podemos não o ver. Estas palavras estremecem: “Eu protejo-te e tu não o sabes”. A ideia de um guardião oculto. Um festival como o TNT também protege a experimentação, defende-a, sabe que ela é sagrada.

Para Cortés: “a raiz da minha motivação é a esperança, algo que pode ser transformado em mim e no público”. Há também romantismo, criar uma cena é um ato romântico. O palco é um local para partilhar perguntas e isto pode ser traduzido numa transformação. O ativismo surge através do trabalho, passando através dele. O primeiro impulso é estar presente na contemporaneidade do momento, do que estou a viver. A relação com a poesia é semelhante a uma arma, enquanto poder, na boca. Eu não escrevo textos dramáticos. Podem assumir a forma de uma representação. Interessa-me a maneira como o corpo lida com as repetições de palavras, à medida que se repercutem. O corpo é uma consequência da palavra. O corpo precisa de palavras para se tornar possível”.

Há um velho ditado que diz que a fé sem obras está morta. O inverso também pode ser verdade: as obras feitas com fé estão vivas.

TNT- Terrassa Noves Tendències continuará em 2023 e os artistas envolvidos também irão persistir.

Josseline Black é curadora de arte contemporânea, escritora e investigadora. Tem um Mestrado em Time-Based Media da Kunst Universität Linz e uma Licenciatura em Antropologia (com especialização no Cotsen Institute of Archaeology) na University of California, Los Angeles. Desempenhou o papel de curadora residente no programa internacional de residências no Atelierhaus Salzamt (Austria), onde teve o privilégio de trabalhar próximo de artistas impressionantes. Foi responsável pela localização e a direção da presidência do Salzamt no programa artístico de mobilidade da União Europeia CreArt. Como escritora escreveu crítica de exposições e coeditou textos para o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Madre Museum de Nápoles, para o Museums Quartier Vienna, MUMOK, Galeria Guimarães, Galeria Michaela Stock. É colaboradora teórica habitual na revista de arte contemporânea Droste Effect. Além disso, publicou com a Interartive Malta, OnMaps Tirana, Albânia, e L.A.C.E. (Los Angeles Contemporary Exhibitions). Paralelamente à sua prática curatorial e escrita, tem usado a coreografia como ferramenta de investigação à ontologia do corpo performativo, com um foco nas cartografias tornadas corpo da memória e do espaço público. Desenvolveu investigações em residências do East Ugandan Arts Trust, no Centrum Kultury w Lublinie, na Universidade de Artes de Tirana, Albânia, e no Upper Austrian Architectural Forum. É privilégio seu poder continuar a desenvolver a sua visão enquanto curadora com uma leitura antropológica da produção artística e uma dialética etnológica no trabalho com conteúdos culturais gerados por artistas. Atualmente, está a desenvolver a metodologia que fundamenta uma plataforma transdisciplinar baseada na performance para uma crítica espectral da produção artística.

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