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Confissões da Primeira Frieze Week

Escrevo enquanto recupero desta ressaca visual – visual, emocional, em estado de pós-ansiedade. Escrevo do sofá, deitada, pois os estados sentado e de pé sugerem demasiada energia para serem recomendáveis para hoje.

Nesta segunda-feira, dia 17, após o que se chama “Frieze Week”, escrevo o que me encarreguei de escrever, somente pelo encarregamento do afazer, pois a vontade deve ter ficado perdida no chão de uma galeria qualquer. O estado de ressaca visual é pouco recomendável, um estado algo raro no qual nunca me pensei encontrar. Acordei comigo mesma não ir a uma exposição por uma semana, não sei se o trabalho mo permitirá, mas o brilho nos olhos e a vontade infantil de ir a tudo morreu, pelo menos pelo dia de hoje. Talvez amanhã me sinta diferente.

Tal migração sazonal, o mundo da arte conflui para Londres no mês de Outubro, para a feira de arte Frieze que dura 5 dias, apesar da vida serem só dois. No impulso desta migração, em que a população artística quadruplica por metro quadrado de galeria, multiplicam-se também os eventos e a cidade acha por bem, em consenso cego, ter 13435648 eventos por dia. Se não se tem uma abertura na Frieze Week, não se é ninguém.

Por entusiasmo virgem, na véspera de sete dias dedicados unicamente à arte, empilho eventos no meu calendário do telemóvel, onde as margens das caixas coloridas se sobrepõem e fundem em diagramas de Venn sobre a impossibilidade da omnipresença. Olhando para trás, no meu inocente regozijo, correntemente conhecido como FOMO – fear of missing out – conto pelo menos cinco eventos siameses encaixados em cada dia. Escusado será dizer, caros leitores, demasiada arte e pouca Mariana.

Segunda-feira começa atarefada com um total de cinco inaugurações visitadas, em algumas das maiores galerias da cidade: Thomas Dane, Carl Kostyál, Pippy Houldsworth, PACE e Massimo di Carlo. Um copo de vinho aqui, uns dois ou três olás por ali e o desafio de tentar trocar de mãos um cartão de visita ou outro. Com saltos altos nos pés, o entusiasmo continua em alta.

Terça-feira, o mesmo cenário repete-se, uma exposição na universidade Slade, umas visitas por galerias clandestinas, e “the big players”: Hauser & Worth, Simon Lee e Marlborough. Mais uma bolha num pé e menos uma noite. Chegar a casa pelas dez da noite e comer uma lata de atum – claramente contrabandeada em massa na última visita a Portugal. Oh! O Glamour!

Os dias seguintes prosseguem de forma semelhante, os sapatos decrescem em altura até parecer que vou ao ginásio depois e a visão começa a ficar turva no mar excessivo de informação visual. Sexta-feira foi o dia de 1-54, uma feira de arte focada em arte contemporânea Africana, inaugurada por Barco de Grada Kilomba. Há alturas em que mesmo no cansaço, a alma se deslumbra, desta vez pelo contraste entre o minimalismo brutalista da obra e a beleza arquitetónica do edifício da Somerset House. Um sentimento bifurcado entre o orgulho de partilharmos a mesma língua e a exata razão pela qual a partilhamos – que se replicou diversas vezes no encontro de nomes como Cristiano Mangovo ou Francisco Vidal. Tendo em conta o contexto do edifício, a feira parece uma visita mágica a uma casa repleta de arte, com pinturas sobre as lareiras e esculturas entre as janelas.

Finalmente Domingo, o dia da aguardada Frieze London & Frieze Masters – enquanto que a Masters se foca em arte moderna e nos grandes “mestres”, a London tem uma abordagem mais contemporânea e experimental – o que talvez tenha sido verdade um dia. Durei três horas. Entre mais de 100 galerias entre os dois espaços e seguramente mais de 1000 obras sobre a relva do Regent’s Park, babei sobre uns quantos Espressionistas, fotografei mais do que o meu telemóvel aguenta, anotei uns quantos novos nomes e fui-me embora quando os letreiros das galerias começaram a andar à roda.

O crítico de arte Robert Hughes descreve os ciclos da arte contemporânea como “bulímicos”, num regurgitar de fórmulas e modas, que se descrevem facilmente na forma como é difícil distinguir uma galeria da outra nos cubículos brancos e nas paredes em espelho com figurativismos sensacionalistas e pintura faux-naïf atrás de outra.

Se me pedirem para nomear 10 artistas que vi, talvez vos consiga dar 5 que escrevi no telemóvel e possivelmente distinguir outros que comecei a seguir no Instagram. Se me perguntarem quantas pessoas conheci, não sei dizer, mas podem ter a certeza que todas têm o meu business card. Se quiserem saber qual o plano para o próximo ano, não sei bem, mas o importante é ter um objetivo e não ter mais olhos que barriga. Se foi uma boa semana, foi excelente, mas agora preciso duma sesta.

Licenciada em Belas-Artes pela Universidade de Lisboa, com um pé em Londres e o coração em Lisboa, atualmente trabalha numa galeria de arte no Reino Unido. Depois de passar pelo mundo da moda, reviu o seu maior interesse na arte. É co-fundadora do Coletivo Corrente de Ar, que se foca na promoção de artistas emergentes e na democratização da Arte Contemporânea. O seu trabalho desenvolve-se em torno da curadoria, da consultoria de arte e da escrita.

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