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Ter liberdade de fazer o que se deve: O Oracle de Paulo Nozolino

Como escrever sobre uma obra em que nada é pensado, mas tudo sentido? Um olhar preso à verdade, inquieto; guiado pela intuição do artista. Um olhar que, ao encontrar algo pela primeira vez, cria um estado de isolamento, seguido de um interesse momentâneo – e digo momentâneo pois “um passo a mais na areia e a fotografia não pode ser feita”[1]. Este olhar enigmático, possuidor de todo pensamento e cultura do autor, que torna cada fotografia possível. Só posso escrever acerca confronto com o resultado deste processo, que é quase automático para quem o faz, mas nos parece tão cuidado. É como se Nozolino visse mais que nós e se tenha decidido a demonstrá-lo.

A principal dificuldade desta tarefa reside na tentativa de evitar ser um daqueles “gajos que agarram numa obra de arte e escrevem, escrevem, escrevem e depois fica tudo plano, plano, plano”[2] de que nos fala Rui Nunes em conversa precisamente com Paulo Nozolino num livro editado no ano passado por Alexandra Carita, que pode ser visto como um preambulo a esta exposição.

Tão impositoras como especulativas, mas, mais do que tudo contemplativas, para, como o próprio diz, se preservar. São assim as nove fotos – quatro dípticos e uma belíssima paisagem mediterrânica – que marcam o regresso de Paulo Nozolino a Lisboa, após a grande exposição no Pompidou, juntamente com Rui chafes e Pedro Costa. Mas partamos do título.

O Oráculo, este que “impõe ao homem a moderação, enquanto ele próprio é imoderado, exorta-o ao domínio de si, enquanto ele se manifesta por meio de um pathos incontrolado”[3], tem mais em comum com o trabalho de Nozolino – que exprime de forma dialética e poética uma realidade problemática, trágica e diabólica – do que se poderia supor. No entanto tratasse este Oráculo tem mais duvidas do que respostas.

O uso desta palavra remete antes para uma viagem a um passado distante, que o trabalho do artista não tinha ainda visitado. É na Grécia antiga e no Império Romano, na mitologia e no Cristianismo, que Nozolino busca respostas sem prometer nada sem ser o registo da procura.

Cada imagem é uma ruína – mesmo que não a represente literalmente – pois é o olhar do presente sobre outros tempos, e “o presente é que a raiz do passado e não ao contrário”[4]

Entramos na sala pintada a verde seco e esbarramos de imediato com a paisagem mediterrânica; o regresso ao céu e ao mar, uma rara linha do horizonte. Esta divide a exposição em dois momentos: O espiritual do lado esquerdo e o material, ou “as ruinas em que nos encontramos”[5] do lado direito.

O mar antigo que une os lares das antigas civilizações é também uma declaração de liberdade. Essa liberdade é a de começar algo novo, de visitar sítios sem a fotografia montada na cabeça, de ir com dúvidas em vez de respostas. Mas desengane-se quem acredita que as preocupações e o caráter ético da fotografia de Nozolino não se mantém, nada fica deixado ao acaso. Vejamos o caso da fotografia que abre a exposição.

O Bode de Agrigento – imagem que deixou Rui Nunes com insónias – é uma imagem inesperada, Nozolino não tinha como objetivo fotografá-lo, no entanto é uma imagem que remete para toda a cultura grega, tem um peso mitológico, é belo e diabólico. Uma ruína em movimento.

Lemos a exposição como se cada fotografia se tornasse uma palavra. Não se sugere, mas impõe-se uma ideia, acentuada pela verticalidade, através de imagens que são sinais. Quando abandonamos a exposição, e por mais leves que sejam as fotografias, saímos a pensar no passado temendo o futuro.

Oracle de Paulo Nozolino, está patente na Galeria Quadrado Azul até 10 de dezembro.

 

 

[1] Carita, Alexandra. Dizer o Mundo. Coversas com Rui Nunes e Paulo Nozolino. Lisboa: Relógio D´Àgua, 2021

[2] Ibidem

[3] Colli, Giorgio. O Nascimento da Filosofia. Edições 70, 2019.

[4] Carita, Alexandra. Dizer o Mundo. Coversas com Rui Nunes e Paulo Nozolino. Lisboa: Relógio D´Àgua, 2021

[5]Nozolino, Paulo, entrevista de Sérgio B. Gomes. Paulo Nozolino: “Prefiro mil vezes estar numa igreja a estar num jardim” (16 de Setembro de 2022): Publico

Tiago Leonardo (Lisboa, 2000) licenciou-se em Ciências da Arte e do Património (FBAUL) e frequentou o curso de Jornalismo Cultural (SNBA). Atualmente está a terminar o mestrado de Estética e Estudos Artísticos, com especialização em cinema e fotografia (NOVA/FSSH) onde incide a sua investigação no pós-fotográfico dentro do contexto artístico português. No seu trabalho como escritor e colabora com diversas publicações; como o CineBlog do Instituto de Filosofia da UNL, a FITA Magazine, entre outras.

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