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Na Galeria Liminare o horizonte é o meio

No horizonte nasce a primeira luz e apaga-se a última. Nesta linha invisível que separa a terra do céu, existe o princípio e o fim, o material e o intangível. Ilustrando as fantasias do mundo, é ao horizonte que pertence o arco-íris, mas tentar ir ao encontro do seu tesouro abundante, é correr infinitamente. O horizonte apresenta-se como objeto de reflexão, inspiração e contemplação para a criação artística. Na Galeria Liminare, a linha do horizonte foi delineada por Carla Rebelo, Desali, Dalila Gonçalves, Diogo Evangelista, Gonçalo Preto e Henrique Biatto, como dispositivo que sugere caminhos infinitos.

O tempo faz-se visível e move-se com a paisagem (2016-2017) de Dalila Gonçalves, exibe como se se tratasse de uma pintura, lixas usadas numa fábrica de móveis. O movimento horizontal, desenha sobre a lixa linhas de diferentes espessuras e tons. Os rasgos de cor terra que abrem a tinta original azul e preta, lembram um ressurgimento de luz numa paisagem que alvorece. A memória também está presente: as lixas contêm as marcas dos objetos que poliram, e são por isso sinais de presença e ausência.

A linha do horizonte é como o tempo, situa-se além da perceção, não se toca. A luz que ascende e desce em direção ao horizonte é também medidora do ciclo dos dias e, por isso, está na origem de muitas das nossas ideias sobre o tempo. Os fenómenos naturais como o nascer e o pôr do sol, são momentos que se repetem numa infinita circularidade. Em Um momento que se repete continuamente III (2018), escultura de Carla Rebelo, a reflexão é exatamente sobre a intangibilidade do tempo. Dois espelhos, expostos paralelamente, refletem-se, criando uma projeção infinita deste espaço-tempo que periodicamente é interrompida pela imagem do espetador ao atravessar o portal criado pela escultura.

Adiante, o foco debruça-se sobre o chão da galeria, onde Henrique Biatto mostra Panorama (2021), uma instalação constituída por cerca de mil esferas de cerâmica. De diferentes tamanhos e cores, as esferas foram meticulosamente dispostas a uma distância semelhante e, mesmo estando muito próximas, nunca se tocam, como se fossem regidas por um magnetismo misterioso. Em menor quantidade, as esferas pretas e castanhas equilibram-se por entre as brancas num jogo de harmonia visual. A vastidão e prolongamento destas peças pelo chão, lembra o infinito de uma paisagem.

O sol é o grande símbolo do horizonte, mergulhando e ressurgindo infinitamente na sua linha. Na pintura de Gonçalo Preto a escuridão é atenuada por um foco de luz que remete para um sol. Com uma técnica pictórica minuciosa, o artista joga com a nossa visão ao representar um ponto laranja desfocado sobre um fundo completamente negro. Myopia (ORANGE) (2020) estimula o olho que vê a pintura, incentivando uma reação à escuridão, ao desfoque e à abstração.

Na paisagem há sempre horizonte, e antes de o dia terminar, o caminho leva-nos até à obra Rejeitos Revolta (2018) de Desali. Numa paisagem pintada sobre pequenas tábuas de madeira, Desali distorce o meio que observa, optando pela geometria das formas. Em cores primárias de tons pastel, a tinta realça a textura da madeira e, nestes pequenos veios e sinais, a paisagem ganha relevos. Sobre a composição da pintura, a perceção leva-nos à existência de múltiplas linhas de horizonte.

A noite instala-se na segunda sala que compõe a exposição, com a obra audiovisual de Diogo Evangelista. Os sons eletrónicos que foram inundando os sentidos enquanto percorríamos a primeira sala, associam-se agora à imagem hipnótica de Sungazing (2013). A escuridão que inunda a sala, contrasta com o olhar o sol dos primeiros frames da obra, onde assistimos à expansão de uma luz intensa. Surgem padrões abstratos, coloridos, com sinais de geometria que deslizam lentamente uns para os outros. A transição entre imagens, traz o afastamento da câmara, tornando cada vez mais nítido aquilo que vemos: padrões de tecelagem marroquina. Ao fim de vinte minutos, o som intensifica e a imagem regressa ao sol inicial, encerrando um jogo de perceção sonora e visual, onde a sensação é de transcendência.

Na Galeria Liminare, o horizonte é o meio para o diálogo acerca das questões da perceção, do tempo e da paisagem.

A exposição coletiva O horizonte é o meio, com curadoria do coletivo de curadores da Pós-Graduação em Curadoria de Arte da NOVA FCSH, está patente até ao dia 19 de novembro de 2022 na Galeria Liminare.

Laurinda Branquinho (Portimão, 1996) é licenciada em Arte Multimédia - Audiovisuais pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estagiou na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa onde colaborou com o projeto TRAÇA na digitalização de filmes de família em formato de película. Recentemente terminou a Pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do coletivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.

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