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my father is a dirty slutty transcendental girlie – Espaço Caramujo

O longo título da exposição my father is a dirty slutty transcendental girlie, presente no Espaço Caramujo em Almada, é já de si um agitador de consciências, um empurrão para a frente de mentalidades, um deitar por baixo preconceitos, e formas de representação em arte.

O curador de arte, Alexandre Sequeira Lima, ou antes o artista que teve a ideia de reunir estes artistas no Espaço Caramujo, como ele prefere que seja designado, revelou alguns dos traços desta exposição, e algumas ideias chave para o seu desenvolvimento. A sua postura curatorial não foi a de imprimir uma imposição sobre os artistas na escolha das peças presentes no espaço, mas antes, e precisamente, dar aos artistas a total liberdade de escolha do que gostariam de ver representado na exposição. Essa liberdade, e a partir de algumas diretrizes deixadas em aberto por Lima, permitiu aos participantes estabelecer um diálogo entre si e adequar as escolhas de acordo com um objetivo maior, e coeso para a exposição, nomeadamente o de ser um espaço para um debate, para um discurso sobre o estado dos afetos, da realidade social, política e até económica do mundo.

Um dos princípios de Lima consistiu em perguntar aos artistas presentes se teriam obras que gostariam de ver expostas e nunca tiveram a oportunidade. O resultado é um corpo de obras que saem um pouco da norma vigente, e que a nu, e sem preconceitos, propõe uma reflexão sobre questões de género, temas queer, heterodoxia sexual, minorias, corpos transgéneros, teorias pós-coloniais, entre outros temas mais adjacentes, e subtis, mas nem por isso, menos importantes.

Há que ressalvar que, em nenhum momento da exposição a arte, digamos assim, de diversidade racial, e cariz multicultural, é encarada como uma abordagem paralela à realidade artística contemporânea, muito pelo contrário, faz parte dela, acrescenta-a, e revitaliza-a. É arte contemporânea por excelência. Muito longe, felizmente, das primeiras e embrionárias tentativas, nos anos oitenta, de integração, nos programas curatoriais ocidentais europeus, de artistas oriundos de países africanos, onde as suas obras ainda eram vistas, como curiosidades locais.

Outro dos aspetos a ter em conta na exposição é a atenção dada à questão da diversidade racial na temática Queer.

A beleza na seleção feita das obras de Franco Zucchella, João Galrão, Michael Biello, são disso exemplo. Revela, na sua sequência, um singelo, subtil e assertivo discurso integrador da diversidade étnica e racial, por direito, no contexto queer, e que durante muito tempo, por muito estranho que possa parecer, andou arredado, pelos já sabidos motivos, muito por conta do imperialismo e centrismo europeu e americano. Da pintura singela, e de pincelada generosa e doce de Zucchella desenvolvida a partir dos clássicos europeus, às colagens diretas e assertivas de Galvão, que revelam os contrastes e discrepâncias sociais, num retrato cru da sociedade, e as ligações entre prazer sadomasoquista, escravidão e sofrimento humano, no contexto laboral. Logo seguido de Biello, que nos oferece fotomontagens, a preto e branco, de figuras humanas, homoeróticas, inscritas sobre fundos e nichos arquitetónicos oriundos de templos religiosos, épocas medievais e protorenascentistas.

Logo após a sequência Zucchella, Galrão e Biello, somos tomados pelas intricadas e tecnologizadas imagens de João Vinagre, conferindo uma imagética nova e virada para o futuro. Da ligação às anteriores peças, ficam, não só, as analogias possíveis, como um discurso subtil, e não tão óbvio, sobre os sentidos, e que se pode associar também, pela tipologia, à imprevisível instalação vídeo de Rodrigo Miragaia, presente na exposição, e que aborda, mais uma vez, temas ligados ao pós-colonialismo.

The Big Black Spurt, de João Vinagre, uma fotografia digital impressa em jato de tinta de uma explosão de um dique, é suscetível de poder ter variadas interpretações, no imediato, quase como se de um exercício de Romchamp se tratasse, polariza o tema central da exposição, e permite uma relação menos previsível com as obras.

Alexandre Sequeira Lima, envolve-nos em dois momentos de pintura, uma pintura que trabalhou ainda como aluno do ar.co, e outra, mais recente, onde é possível confrontar estilos, que se modificaram naturalmente ao longo do percurso do artista. A pintura de Lima, enquanto foi aluno do Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, trata de uma interpretação pessoal de uma obra de Matisse, talvez a obra Dança. Ostenta figuras mitológicas masculinas bailantes, inspiradas nas cerâmicas gregas, mas onde os genitais não surgem representados, conferindo à peça, por isso, uma alusão a ambiguidades de género.

Podemos ainda vislumbrar outras obras de Galrão, como o desenho de uma figura masculina em posição erotizante, que bebe um líquido na cozinha, talvez leite, e que se faz acompanhar por um fundo psicadélico estonteante, de cor amarelo fluorescente, e que manifesta um tratamento pictórico que lembra uma certa expressão pop de 60.

Ana Pérez-Quiroga oferece-nos, por sua vez, uma instalação, com o nome Stereotype… Poof! Is gone. Ao longo da parede vemos rostos fotografados de mulheres que foram reunidas pela artista, e que resultam de um apelo que fez a todo o país: encontrar mulheres portuguesas lésbicas, sem limitações de idade ou qualquer outra restrição. A acompanhar as fotografias, sobre o chão, encontra-se um ecrã que transmite um vídeo onde podemos observar a selecção de oito objectos pessoais de cada mulher.

Podemos ainda, de modo privilegiado, fruir obras de importantíssimos artistas como Pedro Amaral, João Fonte Santa, António Olaio, Daniel Garbade, Fátima Vicente Silva, Pauliana Valente Pimentel, Peter Garrad, José Ferreira, Ivo Bassanti, e Colin Ginks.

A exposição coletiva, my father is a dirty slutty transcendental girlie, está patente no Espaço Caramujo em Almada até ao dia 14 de outubro.

Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador. (fotografia: Eurico Lino Vale)

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