We Are Also The Ghosts – Catarina Mil-Homens na UMA LULIK_
Os fantasmas que Catarina Mil-Homens apresenta no espaço da UMA LULIK_ empreendem aquilo que nos afeta quando supomos a sua presença ou existência. Um diálogo sobre a leveza, a sua imaterialidade aparente, e o peso – porventura -, o da densidade do medo.
Numa exposição construída a partir de processos de acumulação – material e afetiva –, Catarina Mil-Homens dá-nos a experimentar o nosso corpo em relação com as qualidades implicadas no encontro de quem é colocado diante de um fantasma, num diálogo entre o material e o imaterial.
Falamos da acumulação de camadas de vidro (We Are Also The Ghosts, 2022), expostas com o auxílio de cordas de aço, a desafiar a gravidade e a oferecer-nos a noção de leveza, que, no entanto, é apenas aparente. A peça é composta por duas toneladas de vidro, qualquer coisa que resulta, aos nossos olhos e sentidos, no paradoxal caráter do fantasma – posicionar-se no limiar de qualquer coisa.
O gesto de acumulação e recoleção e a atitude de colecionar, não diz apenas respeito à noção de camada, e ao vidro. Trata-se também de um gesto de acumulação de texturas temporais e geográficas. A peça (Mortalhas, 2022), apresenta uma linha compacta, composta por cascas de árvore provenientes de um território muito particular. Árvore de casca de papel é o nome da árvore da qual a artista, desde 2015, recolheu pedaços que podem ser encontrados na exposição. A árvore mora na Austrália, por isso, os fantasmas podem também ser aliados. Neste caso, fruto dessa vivência intensa de oito anos num território que hoje é revisitado pelos materiais e afetos, a componente de trânsito marca igualmente a exposição, evocando não apenas o aspeto material, mas o que não se vê e não possui corpo tangível – a memória e tomada de consciência de um corpo face a estes corpos múltiplos que reivindicam um lugar no espaço rente à nossa casca.
O vídeo 1709 Cascas De Mim (2022) apresenta um minucioso trabalho de registo que dialoga com a obra Mortalhas. São 1709 frames de cascas que Catarina Mil-Homens nos apresenta num gesto que realiza a viagem do material para o interior de si mesma, qualquer coisa que confirma o balanço entre matéria e não matéria que repousa em toda a exposição.
Notando esse equilíbrio, e à parte da utilização de materiais com alta densidade e rigidez, como o vidro, o aço, ou ferro, existe um diálogo entre estes elementos e outros: o carvão, a resina, e a casca de árvore. O peso descansa na leveza e na poética da natureza, que fornece um equilíbrio à exposição e à opacidade de grande parte dos trabalhos. Um equilíbrio para o qual o próprio vidro nos encaminha, pois se o vidro pode ser rígido e compacto, Catarina Mil-Homens oferece-nos essa dupla face do vidro – uma opacidade bruta, como na peça (Lâminas, 2022), mas igualmente uma transparência sensível, como na obra (Return, 2022).
A primeira peça que pode ser vista na exposição, uma elipse desenhada com pó de carvão no chão da galeria, é um desenho que joga com o vidro no seu estado transparente. Sendo o carvão um material privilegiado pela artista – e que pousa no papel no seu trabalho no campo do desenho -, no caso de Return, a tridimensionalidade dos seus trabalhos em papel ganham corpo no espaço, convidando-nos a experimentar um desenho a abrir um caminho que nos convida, porventura, a atravessá-lo.
Afinal, também podemos ser nós os fantasmas.
We Are Also The Ghosts, de Catarina Mil-Homens está patente na UMA LULIK_ até 22 de outubro.