Parallax de Susana Rocha na Sociedade Nacional de Belas Artes
Subir a Avenida da Liberdade, virar à esquerda para a Rua Barata Salgueiro, segunda a contar do Marquês de Pombal. Seguir em frente, atravessando a Rua Mouzinho da Silveira, e a Sociedade Nacional de Belas Artes irá encontrar-se à direita. Ao entrar, a exposição ficará ainda no primeiro piso, depois de dois lanços de escadas de madeira. Depois da caminhada, e encontrando os objetos num espaço amplo como o de um palco a que nos é permitida a entrada, encosto a pesada mochila que trago às costas, junto a uma parede branca, longínqua, ao princípio/fim das escadas.
As obras apresentam-se como objetos num cenário, elementos significantes encerrados numa linguagem que nos dão a espreitar. Vemos curvas, retas, círculos, distensões como acrobacias, aqui dialéticas, absurdamente estáticas. O imaginário leva-nos a um ambiente de ginástica, educação física, quase escolar – arcos de ginástica rítmica, bolas suíças, discos de lançamento, um poste.
Tudo se reformula, no entanto, em novas formas e contextos.
Os arcos estão presos à parede e atados por dois laços de azul esbatido, de pigmento exatamente igual a um deles; as bolas suíças, na verdade, não o são, é a borracha que as sugere – encontram-se esticadas, na forma de um amendoim, extensão displásica, mas uniforme que une as suas duas circulaturas; o que poderiam ser discos de lançamento são circunferências de mármore, unidas por um laço azul, igual ao dos arcos, que ilusoriamente os sustentam, apenas abraçam; já o poste parece remeter a um mundo de referentes – poste de baliza, antena de vólei, estrutura para salto em altura – sem nunca se revelar. A sua formalidade, combinando listas pretas e brancas – contraste que quer ser visto – omnipresentes em vários desportos para uma fácil visibilidade dos jogadores, liga-o às Blindsided, estruturas de chapa combinando rigorosas, regulares, formalidades a preto e branco, caminhando do estore, ao espaldar, à janela, ao piano, ora apoiando-se hirtas na parede, como descansando, sentadas, entre a parede e o chão.
A série Twist é a combinação minimal, contida das curvas e retas, os dois universos de movimento que aqui se observam. O foco de luz que neles incide revela-lhes sombras que ilusoriamente nos querem sugerir um duplo objeto – molas que se desenvolvem como cambalhotas, de um ponto raso à curvatura que as leva ao final igual, ou uma primeira caligrafia, arredondada, começando numa linha para se revelar o resto, escrevendo a lógica íntima em que se materializam as formas. Tal como enuncia o título da exposição, as obras vão se lendo pela caminhada que fazemos entre elas, as suas disposições dão-nos a abertura de as percorrer, sinuosamente, como obstáculos, prova física de contemplação.
Movimentos imaginários vibram em cada uma delas, paradas, acrobacias de uma parallax view que é sinónimo de uma consequência do olhar. Parallax que também guarda em si, conforme revelação por uma aproximação fonética ao português, uma paralisia. Procuram mover-se, transcender-se.
Verifiquei, finalmente, que a minha mochila pousada no chão não destoava dos objetos da sala: tinha chegado a uma aula que nunca aconteceu. Coloquei-a às costas e tornei-me objeto.
Parallax de Susana Rocha está em exposição na Sociedade Nacional de Belas Artes até ao dia 15 de outubro.