Unconscious Fruit na Galeria Foco
Apesar de ter sido inaugurada no dia 15 de setembro, nas vésperas do fim do verão, Unconscious Fruit de Francisco Osório sabe à mordida das nectarinas de maio; sumarentas e potencialmente inebriantes caso sejam consumidas em altas doses.
A exposição surge do esforço por congregar na Galeria Foco, o trabalho do artista numa exibição que contemplasse a magnitude da diversidade da sua obra. Entre as suas pinturas, esculturas e instalações, a mostra torna-se possível graças ao diálogo entre a curadora Josseline Black e Osório, que enxergaram juntos o interior da narrativa das obras do artista. Uma exposição que remete ao espectador desde a pintura Around the center (2022) até à instalação Scenes from before (2022) sobre a ciclicidade da apreensão das nossas memórias. Depois que experienciamos, o que fazemos com o que apreendemos?
Uma exposição de obras de arte contemporânea, apesar dos esforços de muitos para que seja dito ao contrário, é um evento com lugar marcado no tempo e no espaço. Numa galeria localizada no final (ou início) de uma rua íngreme da zona mais cosmopolita de uma das capitais mais pitorescas da Europa, onde signos diversos colidem constantemente numa grande guerra de significados, a exposição realiza-se.
À primeira vista, observa-se um mar que outrora salpicou cuidadosamente tons de algodão doce nas paredes brancas da galeria. No primeiro andar exibem-se Around the center (2022), Pleasure box (2022), A luminous night in Lisbon (2020-2022) e Traveling the sound of writing (2022), num poema visual onde cada uma das suas estrofes versa sobre a intimidade dos sentidos. Francisco Osório, é um artista que trabalha com o ressoar, aquilo que procurou, apoderou-se e fez tocar novamente. Segundo o próprio, um dos motes da sua práxis é a relação que desenvolve com os objetos.
“Recolho vários objetos que vou encontrando na rua e levo-os comigo para o atelier. Disponho-os em estantes ou espalho-os no chão. Imagino que eles estão lá a conversar uns com os outros. Peso-os, fotografo-os, crio-lhes uma ficha e arquivo-os. Deixo-os a repousar, a olhar uns para os outros e saio. Depois, há um dia em que entro de novo e interajo com eles, de forma espontânea, agrupo-os e dou-lhes novas interpretações. Sinto, a partir daí, que podem ir parar às mãos de outra pessoa, que já cumpriram o seu papel e que a minha ação sobre eles está terminada.”[1]
Desde o véu que encobre o personagem da noite luminosa de Lisboa, até o prazer invisível que é capturado pela gaiola, o espectador sente a presença dos objetos primários que servem como um arquivo de memórias para a interpretação dos acontecimentos da vida do artista.
No andar de baixo da galeria, exibem-se ainda Laughter box (2022), The pink house near Alcanar (2018-2022),Playroom (2022), Tsaddé (2022) e Scenes from before (2022), onde destaco duas obras em específico.
The pink house near Alcanar (2018-2022) poderia ser a nossa casa da infância. Ou, a casa de um primo a quem visitávamos constantemente, talvez até a casa dos nossos avós. Nesta pequena fotografia cor de rosa, o espectador é convidado a dar um passo a frente e abrir uma pequena caixa guardada no fundo do nosso palácio da memória, e experienciar o calor da potência de uma estrutura não reconhecida, mas estranhamente familiar.
Ainda sobre o que incendeia o inconsciente coletivo presente em cada um de nós, esconde-se no canto direito inferior da galeria, a instalação que circundou toda a visita à exposição. Scenes from before (2022) é uma aliteração que foge do recurso literário e maximiza-se em larga escala. Uma cortina encobre um pequeno círculo de cinco cadeiras alaranjadas, que encaram o centro em conjunto simétrico. No interior, apresenta-se um ecrã também circular, que poderia ser a retina de um de nossos olhos. Ali, exibem-se imagens variadas, numa montagem que evoca um efeito Kuleshov contemporâneo, uma vez que, em cada uma das cadeiras encontra-se um auricular que entoa uma música característica da década de oitenta. Desde Dont´t you want me dos The Human League até Don´t you do Simple Minds, cada uma das cadeiras convida o espectador a exercer um olhar diferente sobre aquela que poderia ser a nossa experiência vivida numa época longínqua.
Unconscious Fruit evoca na sua narrativa o ciclo da vida útil e inútil de uma fruta que cruza o nosso caminho da subjetividade. Desde que a colhemos do pé e damos nela uma mordiscada, até quando a mesma acidentalmente cai no chão e apodrece até reduzir-se a pó. Tudo o que fica da fruta para nós é a saudade do seu sabor nas nossas bocas, que acompanhar-nos-á até onde o nosso inconsciente permitir.
Um trunfo invisível desta exposição, é que as obras de arte ali expostas não são apenas uma ilustração do curador. É a imagem mais anterior de Osório, captada e que se tornou visível com o trabalho coletivo entre a tríade da arte contemporânea; o artista, o curador e a galeria. O foco da exposição, não é prevalecer uma figura, e sim rememorar aquilo que nós todos temos de mais significante, a nossa subjetividade.
Portanto, coloco aqui a questão, seria mais importante nós ressoarmos os factos e documentá-los assentes na realidade, ou proferirmos os acontecimentos após os mesmos perderem-se nos nossos palácios da memória? Afinal, tudo que é, será passado, assim como a fruta que estava no pé.
Unconscious Fruit está patente na Galeria Foco até 22 de outubro.
[1]https://umbigomagazine.com/pt/blog/2019/09/18/francisco-osorio-3-fragmentos/