Mais do que em linhas paralelas o mundo funciona em rede – PARALLEL PRL
O mundo é um tecido que compomos diariamente através de grandes (e um tanto impercetíveis) teares de informações, discussões, filmes, livros… Atualmente, o seu alcance é enorme graças à internet, onde quase todos podem participar do processo, a qualquer momento e de qualquer parte do planeta, com mais ou menos dedicação e, ou, responsabilidade. Quando essa história muda, o mundo também. De palavras concebemos o mundo: como o pensamos e – talvez ainda mais significativamente – como o narramos, é de uma importância enorme; define, conclui. Uma coisa que acontece e não é contada deixa de existir e perece. Indo mais longe, se essa mesma coisa for documentada fotograficamente, então a sua veracidade não é mais contestada, já que a imagem – mais ainda do que a narração – é a última prova de existência.
Porém, à custa deste mundo fatalmente oscilante, é frequente nos depararmos com uma escassez de narrativas apropriadas, prontas para o agora, tampouco para o futuro. Falta-nos a linguagem, os pontos de vista, as metáforas, as novas lendas. São assim recorrentes tentativas de convocar o passado, de aproveitar narrativas anacrónicas e oxidadas, incapazes de articular um possível amanhã. Em verdade, o horizonte é demasiado mutante e quimérico para assegurar-nos qualquer tangibilidade. É dizer, são limitadas as formas de contar a história do mundo.
Pela sua capacidade irreverente e provocativa e pela sua génese eclética, a fotografia contemporânea desafia limites e definições e, por isso mesmo, apresenta um imenso potencial de reinvenção. Ultrapassado o seu reconhecimento como mero objeto cultural, hoje evidencia-se como prática cultural-social-artística, capaz de cruzar estéticas, tecnologias e intenções, com a possibilidade de partir de um eu individual, mas conectar vários indivíduos. Se numa rede infinita, circunscritos numa polifonia permanente, é instintivo o mergulho numa realidade constituída apenas por narrativas na primeira pessoa (muito possivelmente o tipo de narração característico da ótica contemporânea – o indivíduo no centro do mundo); também é verdade que isso poderá significar a nossa oposição ou alienação ao envolvente. Adaptarmo-nos a esta fluída modernidade impõe a capacidade de nos superarmos e do eu se ascender em necessidade e propósito para abraçar a comunidade e as questões político-sociais e ambientais que urgem na sociedade. Esta é uma das formas de contar a história do mundo: enfrentar e refletir sobre o que nos rodeia e, através da combinação de esforços, sincronizar mensagens e partilhar novas formas de imaginar e analisar/sentir o mundo.
Nestas circunstâncias nasce em 2016 a PARALLEL – plataforma europeia de fotografia para materializar essa realidade: diversas organizações criativas europeias em rede, empenhadas em promover intercâmbios, mentorias transculturais e exposições que resultem de um trabalho conjunto entre artistas e curadores emergentes. Das suas vontades firmam-se, não só a promoção de novas oportunidades a estes criadores, solidificando ligações, estimulando o seu poder criativo e posterior mobilidade e o reforço de competências, como se incentivam renovadas e vigorosas narrativas no sistema da arte.
Este esquema é composto por vários membros que, a par das suas distintas características, culturas, escalas e geografias, partilham valores e objetivos comuns na forma como intervêm no setor na cultura. Entre museus, galerias, festivais, escolas de arte e editoras – 18 centros culturais europeus de 16 países diferentes – a missão é desenvolver novas formas de intervenção nas artes e na cultura, para isso procurando e criando projetos artísticos de visão crítica, inovadora e construtiva nos domínios das artes visuais e da cultura; articulando um trabalho em rede e um diálogo intercultural capaz de fomentar a economia da cultura e o desenvolvimento e divulgação das indústrias criativas.
Invocar o espírito da plataforma é destacar a conexão entre todos: artistas, curadores, membros, tutores e público, cujo processo de trabalho dá-se em vários momentos divididos em duas grandes fases: Orientação Criativa que engloba a seleção dos emergentes (provenientes de uma open call), tutoria, aprendizagem entre pares e curadoria para criadores emergentes e uma fase de formação que permite aos criadores emergentes explorar e evoluir as suas competências profissionais; e Plataforma de Exposições a ampla rede de exposições e publicações, que acontecem entre os parceiros do programa, seguindo o conceito itinerante da PARALLEL. O programa organiza-se em ciclos anuais, 4 ocorridos até ao momento, cada um com cerca de 30 a 40 artistas e 5 ou 6 curadores.

Esquema 1. metodologia de trabalho de cada ciclo da PARALLEL, composto por duas fases – orientação criativa (mais claro) e da plataforma de exposições (mais escuro). Fonte: https://parallelplatform.org
O projeto foi desenhado e é liderado pela Procur.arte – uma associação cultural sediada em Lisboa que, desde 2005, se pauta pelos mesmos ideais. Para além de um financiamento nacional por parte do Ministério da Cultura e da Câmara Municipal de Lisboa, grande parte do financiamento proveio do Programa Europa Criativa da União Europeia; o qual, neste ano 2022, foi suspenso, deixando assim a plataforma com um futuro indefinido. Ainda que as perspetivas se mantenham positivas e se trabalhe nesse sentido – algo que se saberá em outubro (já lá iremos), vale recordar que ao longo destes 4 anos o projeto PARALLEL colheu muitos frutos. Tal como uma porta de entrada no setor artístico da fotografia contemporânea, difundiu novos artistas, novas tendências e novos métodos de apresentação, quebrou hierarquias e estabeleceu férteis colaborações criativas; perante uma igualdade de oportunidades e uma pluralidade de caminhos com o culminar possível na entrada no sistema da arte: ora em formato de prémios ou propostas de curadoria, ora de seleção para concursos e festivais, ou inclusão em equipas institucionais culturais. A PARALLEL em números revela-nos: 34 exposições e 11 masterclasses e workshops por toda a europa, nos quais participaram 100 criadores emergentes (artistas e curadores) de 33 países (13 dos quais não europeus); a participação de mais de 200 pessoas em eventos promovidos pelo programa; a oportunidade póstuma de expor fora do país de origem (numa média de 4 países distintos) para cada artista envolvido, bem como uma exposição internacional para cada curador. Em média, cada um dos 100 criadores emergentes expôs/publicou a sua obra cerca de 11 vezes desde a sua participação; o que não surpreende, portanto, que cerca de 80% continuem a trabalhar no meio.
Do que tem vindo a demonstrar, não é correto pois se afirmar que a PARALLEL é um projeto finalizado, antes em pausa. Aliás, uma resiliência também inscrita na sua génese, após um exercício contínuo a meias com a pandemia, que obrigou a uma postura estoica e uma responsabilidade acrescida face às restrições. Como se desenvolve um projeto que se debruça sobre a mobilidade e uma rede de contactos internacional em tempos de pandemia e isolamento? Quaisquer limitações despontam a necessidade de restruturação estratégica na execução e nas metodologias: transformam-se exposições e reuniões físicas em online e os catálogos e edições especiais (23 publicações desde o início do projeto) tornam-se os únicos veículos palpáveis da produção criativa. Falta, contudo, a riqueza das trocas e do relacionamento humano, já que não se trata de uma questão de quantidade, mas de qualidade, apenas auferida pela interação. É certo que as iniciativas devem continuar e da melhor maneira possível, e o que poderia ser restritivo, revela-se até um hiato programático essencial para repensar e arquitetar planos futuros. Ou, mais concretamente, para forjar duas novas candidaturas que se encontram em curso, e cujos resultados serão conhecidos ainda este outubro. A explorada candidatura para o projeto de dimensão europeia e um novo formato reinventado que pretende atuar a um nível mais centralizado – a PARALLEL PT para a lusofonia, que aplicará o mesmo processo de trabalho sobre as comunidades e povos que compartilham a língua e a cultura portuguesa.
Até lá, e numa base de divulgação, podemos seguir o percurso dos emergentes dos 4 ciclos anteriores, através da rubrica pós-PRL ativa nas redes sociais da PARALLEL pelo hashtag #parallelfollowup. Os mesmos que após o trampolim da plataforma continuam a escrever a sua história e, pois então, a história do mundo em que vivem. Os efeitos da PARALLEL, como de qualquer outro projeto que promove cooperação, criatividade, conexão, mobilidade e liberdade de expressão, pode mudar o mundo. Não se entenda com estas palavras a pretensão utópica de salvação do planeta, antes a modesta, mas bem direcionada possibilidade de o reinventar, respeitando-o. Na verdade, não importa a longevidade de uma formação, ou o quão aprofundado e específico é o conhecimento, é possível pôr o universo em movimento com apenas algumas palavras, ou mesmo uma única imagem.