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Loulé Design Lab

Recuperar tradições artesanais de uma região ou localidade, revigorar as suas cores, os seus modos de fazer, e de uso, já é um feito extraordinário. Mas tornar a vida das pessoas social e economicamente sustentável, ainda é um feito maior.

Todos sabemos que uma região sem o seu passado, sem o seu modo próprio e a sua cultura, é como um barco à deriva, vulnerável ao exterior, às investidas de interesses que em nada, ou muito pouco, revertem para a vida dos autóctones.

Por esse motivo é imperioso e urgente manter o sentimento, junto das populações, da proteção e preservação da sua cultura, popular ou erudita, do seu espólio, das suas tradições, do seu património cultural. Por património cultural, entenda-se, também os costumes que, obviamente não se encontram dissociados do uso dos artefactos e dos objetos.

É nesse seio que intervém o design, como disciplina de largo espectro, ao recuperar cultura material de um determinado grupo ou comunidade, através da revigoração das suas tradições, reanima, também, um estado de alma, uma forma de ser e estar, um modo de fazer e interagir em sociedade.

Potencia assim, e não só, uma ação fundamental de inclusão de todos os elementos de uma comunidade, por meio da produção e troca de bens, como providência aos mais idosos um sentido para a vida, um objetivo. Além de um sentimento de fazer parte integrante de uma forte engrenagem e de uma missão em sociedade.

Com isto, as gerações mais antigas permitem passar o testemunho dos seus saberes às gerações mais jovens, e ainda, gerar meios de subsistência com valias em vários sentidos: integração dos idosos na comunidade, afastando-os da solidão, a interação dos mesmos com as camadas mais novas, desenvolvimento do respeito dos mais novos pelos mais velhos, passagem das tradições de geração em geração fortalecendo o património da região, a criação de novos meios de subsistência, a integração também dos mais jovens no mercado de trabalho, neste caso de valor criativo, preservação do artesanato português, promoção da criatividade com a fusão do antigo com o novo, desencadeando possibilidades inovadoras de sustentabilidade ambiental, continuidade da valorização da manualidade como fonte enriquecedora de criatividade e plasticidade, etc.

O Loulé Design Lab, cujo diretor é Henrique Ralheta, tem, por isso, tem promovido residências artísticas a designers com vista a desenvolver projetos que compreendam a génese e sustentem o princípio e missão anunciada em 1992, na Conferência Mundial de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, de desenvolvimento sustentável, e os domínios: ambiental, económico, e social.

A disciplina do design proto-ecológica, iniciada, nos anos 60 e 70, por Papanek, e depois, na década de 90, por Ézio Manzini, procurava uma reação oposta às soluções industriais, na altura alheias às preocupações ambientais. No seio de um esforço, e de uma política de sustentabilidade, os projetos de design tinham que ir ao encontro de uma diminuição, o mais possível, do impacto ambiental. Nomeadamente o uso de recursos naturais com critério e contenção, e redução de resíduos, com vista a proteger as gerações futuras.

Mas o desenvolvimento sustentável também olha ao bem-estar social, à comunidade e ao indivíduo.

O Loulé Design Lab, além de promover projetos que compreendem uma preocupação futura de equilíbrio ambiental, promove também workshops e residências com o intuito de que os designers contribuam, com o seu know-how e as suas ações projetuais, para objetivos também fortemente sociais. O projeto compreende a integração de pessoas idosas que já tenham trabalhado como artesãos e, tal como acontece há vários anos, fazê-las renascer desses saberes, articulando-os com os saberes dos designers. O Loulé Design Lab, recupera assim conhecimentos e práticas artesanais quase extintas – muitos destes artesãos já tinham desistido do seu saber fazer – e coloca-os em confronto com os designers e a habilidade dos mesmos para conferir contemporaneidade aos objetos. Assim como respostas às novas necessidades.

Recentemente foram realizadas novas residências, pelo Loulé Design Lab. Segundo o jornal Público, um grupo de designers foi convidado para criar uma linha de sacos para jardineiras. Na produção destes sacos foram utilizados 50 toneladas de desperdícios. Os designers, para fazer os sacos, manipularam assim lonas provenientes de faixas publicitárias, muitas delas coloridas e ricas graficamente. Ainda acrescentaram bolsos, a pedido das jardineiras, para transportarem tesouras de poda, e luvas. Os resíduos foram recolhidos na área de Vilamoura, e em simultâneo, diversos monos que se encontravam à beira de contentores de resíduos.

Os designers sentiram-se motivados, também, por causas sociais, e serviram-se do design para melhorar o bem-estar das pessoas.

Segundo Idálio Revez, no jornal Público: – Gonçalo Gama, um dos designers residentes deste projeto, tomou conhecimento de doentes diagnosticados com Parkinson e de Alzheimer, que mostravam grande resistência em se movimentarem, em sair à rua1. Depois de conversar com a Associação de Parkinson e Alzheimer de Vila Sol, o designer lembrou-se do canto dos pássaros, de como o mesmo poderia entusiasmar os pacientes. Para evocar os ninhos que se alojam nas chaminés algarvias, desenvolveu um ninho feito de lona, e colocou-o mesmo no centro do jardim da instituição2. O designer, preocupado com a apatia dos pacientes, ainda utilizou velhas portas que se encontravam abandonadas na associação e criou mesas preparadas para o jogo do galo. Além, ainda, de um apoio, ou prateleira, para colocar uma garrafa de água ou um pacote de lenços3.

Ainda a mesma fonte 4 informou: André Silva Sancho, para humanizar o mesmo lugar, e para retirar o ambiente austero como nos hospitais, usou caixas de fruta para criar molduras, e encheu-as de fotografias, da Serra do Caldeirão, tiradas por ele. Sobre a parede, ficaram assim imagens a provocar reacções e memórias nos residentes; Sandra Neto5, no sentido de criar uma interacção emocional com os objetos, e despertar memórias, concebeu um jogo cromático a partir de fragmentos de elementos naturais diversos, recolhidos dos jardins públicos. Sementes, serradura, entre outros, foram os elementos utilizados; Marta Lourenço6 desenvolveu o seu projeto com crianças da Fundação António Aleixo. Criou uma quinta pedagógica e um jogo para exterior. Desenvolveu ainda duas peças concebidas para secar plantas aromáticas. Estas realizadas para a fundação e para o lar; Leny Farenzena7, concebeu um xilofone para um jardim de infância, a partir das bases tubulares de sinais de transito já inutilizados. Carla Martins e Gustavo Arguello reaproveitaram gavetas de móveis antigos e criaram novas peças de mobiliário coloridas para o lar do Ameixial8.

 

Gonçalves, Mara (2022) “Loulé está a moldar um novo futuro para as artes e ofícios tradcionais”. Jornal Público. 26 de março.

1,2,3,4,5,6,7,8 Revez, Idálio (2021) “A partir do lixo de Vilamoura nasceram jogos e objectos úteis”. Jornal Público 25 de novembro.

Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador. (fotografia: Eurico Lino Vale)

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