X Edição do Jardins Efémeros: O princípio é a incerteza. O fim é o fascínio.
A X Edição do Jardins Efémeros[1] que ocorreu de 08 a 16 de julho de 2022, teve como mote O princípio é a incerteza. O fim é o fascínio, com uma programação que uniu música e arte, no cruzamento entre Cultura e Natureza, Passado e Contemporaneidade, Arte e Exploração, no centro histórico de Viseu. O Jardins Efémeros’22, com criação e direção artística de Sandra Oliveira, organizado pela Pausa Possível – Associação Cultural e de Desenvolvimento, propôs pensar a Incerteza, enquanto qualidade de um caminho que se desenvolve pelo meio da experimentação, procura, desvio e questionamento.
A criação de uma nova noção de jardim, embora temporário, teve como base uma programação multidisciplinar e experimental, que envolveu Artes Visuais, Arquitetura & Design; Som e Música Exploratória; Cinema; Literatura; Mercados e Oficinas, pelas ruas e praças graníticas do centro de Viseu, assim como pela Sé com imponente fachada do século XVII, pelo Museu Nacional Grão Vasco, ou pela Igreja da Misericórdia em estilo Rococó. O Jardins Efémeros’22 aliou a produção cultural às questões do pensamento da arte atual, da natureza e da história, como meio impulsionador, diferenciador e galvanizador da cidade, descentralizando a exibição, participação e criação de práticas artísticas contemporâneas.
No que diz respeito à programação de Artes Visuais, Arquitetura & Design, destacamos o vídeo de Alexandre Delmar A Fala das Cabras e dos Pastores, um dos selecionados da chamada de artistas visuais, projeto realizado com o escopo de investigar e mapear a linguagem sonora utilizada entre pastores e os seus animais em Portugal. As imagens em movimento realçam, em grande plano, vários pastores que chamam o seu gado, montadas numa cadência rítmica que acompanha as vocalizações, evidenciando a premissa do festival de conexão entre arte e natureza. Exposto na Torre Medieval/Posto de Informação, local onde também foi exibida a instalação sonora, Comprida e Torta de Luís Antero, que propôs uma viagem pelos sons da Rua Direita, conhecida pelo comércio tradicional, recolhendo memórias e ambientes sonoros, dando voz aos comerciantes e enfatizando a cultura do local. Igualmente salientamos os projetos expositivos no edifício da Rua Direita, 43 – 51, como (In)certa Natureza de Ricardo Correia e Na Incerteza da Noite de António Silva & Paula Magalhães, assim como as obras escolhidas da chamada de artistas visuais: a projeção vídeo Viscous Electricity de Adriana João, cuja tela transparente harmonizava com as imagens em movimento, os sons do mar e a voz da artista, Coser é curar de Patrícia Geraldes composta por sete esculturas de lã, remetendo para uma noção de recuperação de um material que tem vindo a ser desvalorizado, materializada através de uma componente plástica, e a instalação Bird’s Eye View & Neorama de Teresa Arêde, que nos fez emergir num cenário com imagens em movimento, sons, pintura e escultura, jogando com a visão aérea da terra e do interior de espaços construídos, num exercício de arqueologia especulativa. Das instalações exibidas em espaço público realçamos A Minha Praça é o Meu Jardim de Sandra Oliveira composta por 190 floreiras em varandas que encheram de cor a Praça D. Duarte. Cidade Invisível, um projeto de cocriação que propôs uma reflexão sobre o sentido da arte na sociedade contemporânea, através de uma instalação no Adro da Sé de Viseu, onde cartão usado foi trabalhado, de modo a dar vida a uma espécie de cidade imaginária, e ainda na mesma localização, Mantra da Paz, uma criação comunitária constituída por 2160 peças de linho, com a inscrição bordada da palavra Paz. A instalação Éden X de Joana Pestana, Mariana Pestana & Kevin Gallagher destacou-se na Praça D. Duarte, pelas cortinas com impressões de elementos vegetalistas que desvendavam e acolhiam ecrãs que nos revelavam a contribuição de várias pessoas numa «plataforma online de discussão e de deliberação, que ensaia um modelo social de organização não hierárquica e descentralizada da natureza, na qual os elementos naturais são autogovernados por comunidades mais-que-humanas», segundo o texto do catálogo do JE’22, de design surpreendente. Finalizando esta programação, Sondando Conflito: Uma Performance em Cinco Atos de Pedro Rebelo & Matilde Meireles no Museu Nacional Grão Vasco, demonstrou uma performance filmada, em que Joe Loane e Keith Singleton, através de gestos e ações cíclicos num muro de tijolos, pelo meio de um ambiente sonoro que sugeria estados de destruição, ou de reconstrução de uma casa, ou cidade, intercalado por referências ao Hip Hop da Síria, Irlanda do Norte e Brasil, juntou vários elementos recolhidos durante o trabalho de campo no projeto Sounding Conflict, refletindo sobre os conflitos ocorridos nesses países. Ressalvamos, a exposição de fotografia Ressonância de André Cepeda na recém-inaugurada galeria Venha a Nós a Boa Morta (VNBM), parte da atividade tangencial aos JE.
A programação focada no Som e na Música Exploratória, corolário do Jardins Efémeros, preencheu o Claustro, Adro e interior da Sé de Viseu, de espetáculos que combinaram música, luz e som, imbuídos pela arquitetura do edifício e história do local. Acrescidos pela instalação Octógono em círculo (OC), com criação de Sandra Oliveira. Um sistema de amplificação do som, em forma octogonal, que circundava o pelourinho do Adro, abraçado por um círculo de madeira de pinho, que proporcionava um palco para os concertos, tornando-os uma experiência imersiva, em que o espectador podia escolher o seu posicionamento perante o espetáculo.
O concerto da cantora californiana Ana Roxanne abriu a edição do JE’22, tocando músicas do seu segundo álbum, Because Of a Flower, de melodia sublime e sons delicados, conferindo uma ambiência inquietante à Sé de Viseu. No mesmo dia Rachika Nayar, uma das escolhidas pela chamada de artistas na área sonora, ocupou o Claustro de sons de guitarra processada, sintetizados e multi-instrumentais, de uma candura e doçura melódica, combinando música exploratória e pop. No segundo dia, as vozes das COBRACORAL (Catarina Miranda, Clélia Colonna e Ece Canli) entreteceram uma trama com as suas várias tonalidades, ritmos e dinâmicas ecoando no Claustro, para de seguida Mieko Suzuki, no Adro, nos proporcionar uma experiência introspetiva e meditativa, através de uma combinação de sons do quotidiano urbano, vozes e música eletrónica, com modulações subtis e criativas. No dia seguinte, no Adro, Joana de Sá, surpreendeu-nos pela sonoridade expectante do álbum Shatter, assim como uns dias mais tarde AGF, no Claustro, com a sua e-poesia com sonoridades e melodias digitais. Hatis Noit foi um dos pontos altos do JE’22, deslumbrando com a sua voz, de inspiração em Gagaku e estilos operísticos, cânticos búlgaros e gregorianos, de vanguarda e pop.
No cinema, a curadoria de Isabel Nogueira, a partir da temática da Incerteza, trouxe ao Claustro da Sé de Viseu, três sessões distintas, nomeadamente o filme clássico, The Night of the Hunter (1955) de Charles Laughton, o filme contemporâneo I, Daniel Blake (2016) de Ken Loach e cinema experimental norte-americano com a mostra de cinco curtas-metragens de autores de charneira. Na literatura, destacamos a publicação Almanaque Borda D’Arte, um cadáver-esquisito diário coletivo no tempo e no espaço, com o objetivo de refletir sobre a Europa, que pode ser consultado online[2]. E por fim, o Mercado de Sons e Letras organizado pela conhecida loja do Porto, Matéria Prima, dedicada a publicações e múltiplos de edições de autor, livros, discos e peças de arte, mas também o Mercado Biológico montado no Largo Pintor Gata, ao som de música do projeto curatorial Pratos da Casa, da viseense Vanessa Sousa. Toda a programação do Jardins Efémeros tem como pilar fundamental as Oficinas, respeitantes ao programa de serviço educativo, tendo como princípios fundamentais a participação, a reflexão e a democracia. Nesta edição, as atividades foram realizadas num novo espaço, a Casa da Imaginação, permitindo constatar a importância da mediação e educação de públicos num projeto cultural deste tipo, sobretudo no interior do país.
O Jardins Efémeros’22 contribuiu uma vez mais para a descentralização da exibição de práticas artísticas contemporâneas, florindo o centro histórico de Viseu de arte, música e cultura, mas também de uma reflexão sobre a necessidade de reincorporar a natureza no meio da urbe, por fim a se conseguir estabelecer novamente uma conexão com os seres vegetais e animais que convivem connosco no planeta, para que vivamos num equilíbrio mais harmonioso. A Incerteza da contemporaneidade, face a um futuro, faz-se de caminhos sinuosos, escolhas e frustrações, mas também de experiências ricas que nos permite continuar a caminhar. No catálogo do JE’22 podemos ler a seguinte frase de Patrícia Portela: «Caminhando, desconhecemos a quantidade de destino. Movimento e posição não se medem simultaneamente. Se chegarmos a uma meta, perdemos a velocidade. Se estamos parados, não temos tempo. Se temos energia, temos dúvidas. Ou somos exatos ou estamos vivos».
[1] https://jardinsefemeros.pt/pt/
[2] https://www.facebook.com/almanaquebordadarte/