Field de Pedro Cabrita Reis
Field, de Pedro Cabrita Reis e com curadoria de Michael Short, é uma escultura presente na Chiesa di San Fantin, em Veneza, numa ação paralela à edição atual da Biennale.
Na primeira vez que ocupa uma igreja, Pedro Cabrita Reis provoca, num primeiro momento, o contraste entre o bem e o mal, entre a luz e a escuridão. Há também, claramente, uma ideia de violência, de angústia. As cinco toneladas de escombros trazidas de Lisboa contrastam, no plano horizontal, com a arquitetura de toda a igreja e, claro está, com o seu altar e com tudo o que este possa representar. Numa amálgama amorfa com os destroços, encontramos objetos a que o artista chama de mesa, iluminados com tubos fluorescentes de luz branca e que se elevam sobre o chão, sugerindo um caminho sem princípio nem fim. Estas mesas são uma referência direta às passerelles – estruturas utilizadas na cidade de Veneza quando as águas do Mar Adriático sobem, inundando a cidade. Estes fenómenos, intitulados Acqua Alta, e que têm acontecido mais frequentemente devido às alterações climáticas, trazem uma nova espécie de topografia ao espaço, impondo a sua horizontalidade. Field, por ser um campo, traz também ele uma nova topografia ao espaço da igreja onde foi instalado: os materiais industriais, característicos do trabalho de Cabrita, inundam o espaço, que resiste graças às mesas que trazem uma luz artificial, numa espécie de contraponto às luzes convencionais que, normalmente, associamos a um espaço de fé. Estas mesas provocam também uma relação com a pintura barroca, no entender do artista: a superfície, elevada sobre as ruínas, remete para a suspensão das nuvens nessas mesmas pinturas, onde acima são representados anjos e, abaixo, demónios. Field é um claro espaço de confronto entre diferentes dualismos inerentes à existência humana. A sua relação com o corpo e com o espaço ousa provocar uma nova noção de origem: como o artista refere em entrevista a Nick Serota, Field, na sua disposição horizontal, e o corpo humano, na sua disposição vertical, formam o “símbolo final do universo”.
Com Field, Cabrita aborda também, novamente, temáticas artísticas da Antiguidade, à imagem do trabalho interpretativo que realizou a partir do convite do Museu do Louvre para criar uma obra a partir das Três Graças, ao criar um baixo-relevo no plano horizontal, convocando o corpo humano e a presença do divino que, inevitavelmente, ocupa o espaço da igreja, a constituir uma espécie de quarta-dimensão desse mesmo relevo, que pode perfeitamente adicionar uma camada interpretativa à escultura. O caos presente em Field faz dele uma soma de tempos, de movimentos previsíveis e imprevisíveis, fundadores e destruidores, uma espécie de compêndio de uma certa parte da ação humana. Como se uma força atraísse, para si mesma, fragmentos que, subitamente juntos, formam um espaço real.
Field é resultado de um trabalho que tem vindo a ser desenvolvido por Pedro Cabrita Reis desde 2000 com True Gardens no. 1 onde o artista se debruça sobre a (im)possibilidade de um jardim verdadeiro, e onde a planicidade, a utilização de determinados materiais e a presença de uma certa melancolia são reveladores do caminho até este novo campo, instalado em Veneza.
Field inaugurou a 22 de abril e está patente até 30 de setembro de 2022.