Top

Os nós de Maja Escher e Sérgio Carronha na Monitor

Só pedimos que nos semeiem na Terra é uma frase proferida pela coletividade de grãos de trigo que exigem existir de acordo com os ciclos da natureza e não no sistema de produção industrial e alienado que os afasta dela. A frase pode ser lida no conto de Henrique Févre, A Greve dos Grãos de Trigo (1908), e dá título à exposição que mostra trabalhos de Maja Escher e Sérgio Carronha, patente na Monitor Lisbon.

Uma amizade como um fruto recheado ou como a terra fértil, parece ter sido o ponto de partida de Maja Escher e Sérgio Carronha. Dois artistas que partilham uma ligação profunda à terra, às matérias provenientes dela e aos processos orgânicos implicados na sua transformação.

As obras que podemos encontrar na Monitor são resultado de uma colaboração e diálogo permanente em torno deste eixo que une as práticas de ambos – a terra, a sua respiração e paisagens, onde a vida e a morte se contaminem mutuamente.

À entrada da galeria, Celebração das Vagens (2022) é um trabalho que sublinha o potencial do tempo que repousa sobra as coisas. O tempo dá-lhes outra forma. Outra vida. Observar o tempo que se entranha nas vagens (de favas, ervilhas, feijão, e folhas de yucca), que penduradas em quatro círculos suspensos, sobem até ao teto da galeria, é procurar ver o invisível. Ao contrário dos xistos apresentados por Sérgio Carronha (Sem título I, 2022), resultantes de um trabalho de precisão, em que a mão juntamente com a vontade e o engenho transformam a pedra, no caso das vagens, é o tempo misturado com o ar. No entanto, é curioso notar que o xisto, ainda que sendo uma matéria rígida, resulta de um lento trabalho de compressão, no qual também a terra mostra a sua capacidade criadora ao lado do tempo.

Na segunda sala da galeria podemos ainda encontrar trabalhos em xisto, nos quais vemos desenhos, ou padrões gravados. Dada a contaminação em causa na exposição, alguns desses desenhos resultam de trocas com Maja Escher (Sem título I,2022), um aspeto que é visível também nos trabalhos da artista, nos quais pequenas peças de xisto se misturam com matérias não rígidas (Celebração das Vagens, Arco da Chuva, 2022).

A verticalidade da primeira sala parece dar lugar à horizontalidade. Serpente (2022), de Sérgio Carronha, evidencia essa mudança. A peça de xisto, horizontal, é composta por vários painéis, aludindo à forma de uma serpente, um símbolo de transformação.  Nestes painéis podem ver-se desenhos que chamam formas orgânicas em sintonia com os arcos de Maja Escher – Arco da Chuva (2022), Roda das Cores (2022), recuperando a forma circular da primeira sala.

Pintados no chão, vários círculos rodeiam a roda dividida em dezoito partes numeradas nas quais pousam pedras. A Roda das Cores está parada, mas ela move-se. Em cada uma das divisões está um pedaço de paisagem, colhida e depositada na roda. São as cores que foram possíveis apanhar numa das viagens de campo feitas antes da exposição. Fruto dessa experiência, em que ambos os artistas se lançaram ao terreno e à paisagem, depositam-se agora na galeria restos desse percurso.

Os pigmentos que pousam na Roda feita por Maja, estão também em Sem título II, 2022. Um xisto no qual repousa a multiplicidade de pigmentos que entramos na Roda, cobrindo a pedra na totalidade e oferecendo à vista uma pintura do mundo difícil de reproduzir. Trata-se de um gesto, de uma paisagem viva. Dessa experiência da paisagem e da viagem, ainda se podem ver restos colocados no chão da galeria. Uma pedra e o barro chamam a atenção para a marca desse trajeto vivo.

Muitas das transformações, do espaço e das peças, foram experimentadas ali. No lugar onde o barro encontra o xisto, as canas, os ramos, e ambos coabitam. Nesse sentido, este depositar de restos no chão alinha com a intenção de mostrar a importância do trajeto e do percurso em causa na exposição. A exposição não trata de uma previsão, em que ambos os artistas tinham um plano a priori para o que ia ser mostrado. Tratou-se de trabalhar de acordo com os ciclos oferecidos pela Natureza, como pede o trigo no conto de Févre. Dessa maneira, é interessante notar que ambos trouxeram para a exposição um método de trabalho que remete ao húmus e ao seu modo de atuação participativa. No processo de decomposição das matérias no solo pela oxidação, elas retornam à terra, num processo colaborativo, em que estas matérias servem para alimentar outras de modo a originarem outras vidas. Neste processo está sempre em causa a noção de contaminação oucolaboração.

Os nós que se encontram nas peças de Maja Escher, particularmente em Arco da Chuva, os ramos atados, parecem ser parte de algo maior. Os nós que encontram as mãos e a expectativa de que com várias mãos a terra possa ser cuidada e preservada, atando os corpos e a nossa vontade a ela. Nós (2022), podia ser uma carta a esse desejo. Trata-se de um desenho que representa o percurso de ambos os artistas até chegarem ao resultado que encontramos em Só Pedimos que nos Semeiam na Terra. Os nós que os juntaram e que a cada instante são feitos e desfeitos. Experimentados. como pede a Natureza.

Só Pedimos Que Nos Semeiem Na Terra, está patente na Monitor até ao dia 30 de julho.

Rita Anuar (Vila Franca de Xira, 1994), é investigadora interdisciplinar, licenciada em Ciências da Comunicação, Pós-graduada em Filosofia (Estética) e mestre em História da Arte Contemporânea, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Integra o grupo de investigação em Literatura, Filosofia e Artes (FCSH/IELT), desde 2020. Interessam-lhe os cruzamentos entre artes visuais, filosofia e literatura, a indisciplina e o vento. À parte da sua atividade como investigadora, escreve poesia.

Subscreva a nossa newsletter!


Aceito a Política de Privacidade

Assine a Umbigo

4 números > €34

(portes incluídos para Portugal)