Seminário: Curated Research_The Academy as Medium no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra
Integrando a Programação Convergente da presente edição de Anozero’21-22: Bienal de Coimbra, o projeto Seminário surge como resposta ao desafio lançado pelas curadoras Elfi Turpin e Filipa Oliveira ao Colégio das Artes.
A partir do contexto específico da Bienal e da identidade de Coimbra, Seminário incorpora um dos pilares concetuais da edição atual de Anozero: a ideia de observação, criação e produção de epistemologias alternativas, pensando o espaço académico, as práticas artísticas e a cidade. Tendo como ponto de partida a temática da Meia-noite que percorre a Bienal, Seminário convoca novos olhares, subjetividades e pensamentos que refletem sobre formas plurais de produção de conhecimento ao pensar – através do gesto curatorial- o espaço académico enquanto espaço ensaístico.
Com curadoria geral do Colégio das Artes e coordenação de Ana Rito, o projeto Seminário assume como mote a reflexão e articulação com diferentes áreas de conhecimento e de investigação dentro de uma perspetiva plural que pensa a Academia como medium, revelando-nos e conduzindo-nos a refletir sobre o plano investigativo dentro das práticas artísticas e curatoriais, ao tornar visível um pensamento e a sua construção. Articulando o trabalho de docentes e discentes, Seminário desdobra-se em quatro exposições que ocupam a instituição de ensino – Comer a mesa; The art of Teaching; Syllabus e Teach us to sit still – contando com a participação de cinco curadores externos à Universidade – Lori Zippay, Luís Alegre, Hugo Barata, António Câmara Manuel e Irit Batsry – com obras do arquivo Electronic Arts Intermix e em parceria com os arquivos do Festival Temps d’Images, FUSO – Anual de Videoarte Internacional de Lisboa, Loops.Lisboa e Coleções Privadas.
A diversidade e pluralidade do projeto Seminário, cuja conceção provém da ideia de hospitalidade, concretizam-se numa articulação profícua entre artistas, curadores, professores e investigadores do Colégio das Artes e da Universidade de Coimbra e convidados, na formação de uma comunidade que atua como constelação através da realização de encontros, workshops, conversas e seminários. O entendimento da prática curatorial enquanto prática de comunhão que privilegia e potencia o processo constelar, que se desdobra em ações que não enquadram apenas o objeto exposto e que procura formas abertas de produção, aproxima-se da prática da investigação, tornando-se investigação em si mesma[1].
Neste contexto, destaquemos a atribuição do nome Seminário a um projeto que pensa a ideia de curated research e a própria academia enquanto campo de investigação, não esquecendo a relação que existe entre a ideia e definição de seminário e a história do próprio Colégio das Artes – antigo hospital universitário e edifício eclesiástico – nos dias de hoje, instituição académica que promove reuniões e discussões científicas e culturais, lugar que gera e produz saberes, que se propõe curar uma exposição-investigação-coreografia que funcionará como zona de contacto, como lugar trans-posicional[2], reconvocando a ideia de seminário como algo que germina, que reúne e que coloca em relação.
Com curadoria de Luís Alegre e Hugo Barata é com Comer a mesa que iniciamos o nosso percurso, em que a ideia de hospitalidade e comensalidade assumem-se como estratégias curatoriais e metodologias investigativas numa verdadeira prática de comunhão. O objeto-mesa e amplitude do seu conceito, lugar de reunião e partilha, mas também de estudo e de investigação, a mesa à volta da qual partilhamos comida e ideias, podendo assumir diversas formas e funções. A mesa que pode ser protagonista pela sua ausência como nos revela a obra Regressamos ao Presente e deste em diante, de Nuno Sousa Vieira e que de modo imediato nos evoca a expressão que os soldados de Tróia terão proferido junto de Eneias: Etiam mensas consumimos, sinónimo de sacrifício, mas também de resistência. No mesmo espaço, no chão da sala observamos o humor e ironia dos signos que compõem Figura C- Renwall of a table transmission, 2022, de Miguel Vieira Baptista e Marta Guerra Belo, que como pistas procuramos seguir e decifrar; o enigma que se adensa e parece revelar-se na dimensão poética da obra de Fernanda Fragateira, Laboratório de Materiais, a partir de Le Corbusier, 2016, obra aberta e em suspensão, arquivo contínuo que nos revela processos e metodologias de trabalho e investigação, materiais, imagens e a concretização do pensamento. As imagens e o seu estudo, a investigação e experimentação no espaço de trabalho parecem concretizar-se em Waterfront, 2022, de Batia Suter. Como um jogo, um puzzle que a artista constrói e nos oferece, as imagens a preto e branco de paisagens aquáticas – selecionadas e pertencentes ao arquivo da artista, chamam-nos à atenção pela intensidade, pelos diálogos e leituras que estabelecem mediante a disposição e montagem em cima da mesa, em que Suter nos convida a mergulhar, num limbo entre o representado e o real, entre o interior e exterior que os copos invertidos sobre algumas das impressões ajudam a reforçar. Conectando elementos-utensílios para destacar analogias, sugerir novas categorizações e estimular leituras subjetivas, a artista apresenta-nos Tool, 2022, série de quatro impressões com marcas de dobra; visionamos a performatividade de uma ação do dia-a-dia em Andy Warhol eating a hamburger (by Jorgen Leth), 1982, tributo à igualdade e democratização, à cultura de massas e consumo, e à ideia de vida americana, e deixamo-nos seduzir pela chávena que se desequilibra em Haunted China, de António Olaio. Às vozes destes artistas juntam-se outras – nacionais e estrangeiros- num diálogo de narrativas que se entrecruzam coabitando o mesmo espaço, possibilitando uma reflexão sobre processos e trabalho a partir do questionamento do conceito de mesa, mergulhando-nos num universo concetual, estético e visual na qual predomina a variedade de mediums.
A segunda exposição The Art of teaching com curadoria de Lori Zippay, Luís Alegre, Hugo Barata, António Câmara Manuel e Irit Batsry, apresenta-nos uma seleção de filmes e vídeos de artistas que estendem as ideias exploradas no projeto Seminário para o domínio da imagem em movimento, exibidos ao longo de onze semanas até ao dia 15 de julho.
Seguimos o nosso percurso até Syllabus, exposição que nos dá a conhecer algumas estratégias artísticas e pedagógicas dos professores-artistas do Colégio das Artes que em conjunto exploram conceitos de investigação e ação. Visionamos a ação performativa de António Olaio em Kuenstlerleben, Vida de Artista os movimentos coreográficos do corpo, cujo rosto não vemos, que enverga a beca que esvoaça ao vento do progresso da Academia; a fragilidade e contingência da obra de Rita Gaspar Vieira, em que folhas de papel de algodão pendem de forma delicada na parede e que como pele exibem marcas, registos de passagens e lugares, gestos, tempo e memória. Exercício da memória que as fotografias da série Arquivos e Vestígios, de José Maçãs de Carvalho -como arquivos- potenciam, revelando-nos espaços de manutenção e pesquisa de espólios num exercício de curar, enquanto cenários para a suas composições.
Sentimos o apelo e seguimos para a quarta e última exposição Teach us to be still do artista Marcelo Moscheta, com curadoria dos alunos do Mestrado em Estudos Curatoriais, resultante da parceria entre a plataforma UmbigoLab e o Laboratório de Curadoria.
Fazendo jus ao próprio título, Teach us to be still é uma convocação que o artista e curadores nos lançam, para que nos sentemos e ouçamos o que os elementos nos têm a dizer. Uma exposição que nasce do diálogo e da construção, em contexto site-specific; exposição em movimento com dimensão de ativação, que se desdobra mediante um programa de mediação – conversas, debates, trilhos e passeios – numa comunhão e partilha que carateriza a organicidade de Seminário. A prática artística multidisciplinar de Marcelo Moscheta concretiza-se na presente exposição em obras cuja conceção e instalação implicaram o atravessamento e cruzamento com outras áreas como arqueologia, antropologia e sociologia. A tactilidade do processo de trabalho de Moscheta, a importância que atribui ao material e à ação do tempo são-nos reveladas em obras cuja execução resulta de um rigoroso processo investigativo – que não se encerra na sala de exposição-que pressupõe a recolha e seleção de materias a usar. Desterroe Terrain Vague revelam-nos como gabinetes de curiosidades, o interesse do artista- qual arqueólogo e investigador – pela pesquisa em torno da paisagem, do território, da memória, do tempo e também da identidade local. Propondo um exercício de ressignificação de objetos enquanto memórias materializadas, que tem no Colégio das Artes ponto de partida, Moscheta recolhe e resgata pedras do claustro elevando-as em estruturas desenhadas pelo próprio, elementos geológicos que agora levitam e flutuam num novo espaço, num jogo de equilíbrio de diagonais, que sustentam como escadas – símbolo por excelência da ascensão e da valorização – elementos da paisagem, numa ligação entre o mundo terreno e o transcendental. A paisagem que voltamos a encontrar em trabalhos de colagens com cartões postais, paisagens que se desdobram mediante cortes diagonais, dobras e atravessamentos, numa convocação de novos lugares e ruínas, numa exposição que nasce da perceção do corpo com relação ao espaço.
[1] Folha de sala da exposição.
[2] Idem, Ibidem.