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Postais da Periferia

Em comemoração do Mês de Orgulho LGBTQ+, voltamos a publicar na Umbigo online o artigo inaugural do novo dossiê de Arte Queer da revista, The Velvet Room, que saiu na Umbigo #80. Também foi para atualizar o texto, por causa da leitura de sentença final depois da morte de Zackie Oh, que serviu de inspiração para o artigo.

Zak Kostopolous morreu sob custódia policial a 21 de Setembro de 2018, devido a ferimentos sofridos em plena luz do dia numa movimentada rua do centro de Atenas, muitos dos quais foram capturados em CCTV. 6 pessoas, incluindo 4 agentes da polícia e um membro da Frente Nacional, foram acusados do seu assassinato. A 3 de Maio de 2022, os dois civis foram considerados culpados do seu assassinato, e condenados a dez anos de prisão, enquanto os agentes da polícia saíram em liberdade graças a uma decisão separada do júri.

Zacharias era um ativista greco-americano, que defendia os direitos das pessoas LGBTQ, dos seropositivos, dos trabalhadores do sexo e dos refugiados. Ele próprio era homossexual, e seropositivo. Era também um artista drag, que atuava sob o nome Zackie-Oh. Desde então, todos os anos multidões marcham em protesto contra a brutalidade policial e a homofobia, exigindo justiça para Zak.

A chocante natureza do seu assassinato – e a sua fulgurante originalidade na cena queer de Atenas e da Grécia em geral – foi e continua a ser profundamente sentida. Recentemente, estreou uma ópera de cinema queer, Orfeas2021 (https://www.orfeas2021.com) dedicada a Zackie-Oh. Ele era próximo de artistas participantes no projeto Postcards from the Edge.

Este é o dossiê inaugural da revista Umbigo dedicado exclusivamente à arte considerada LGBTQI+ ou “queer”. Como é natural, nos seus 20 anos de existência, o projeto Umbigo nunca foi alheio a este tema, tendo inclusivamente estado na vanguarda da representação de formas de expressão queer em Portugal desde o seu início, em 2002. Afinal, a sua primeira capa foi o ícone trans Amanda Lepore, fotografado por Álvaro Villarrubia. Contudo, a decisão consciente de apresentar uma secção especificamente dedicada à arte queer é reflexo de uma mudança de atitude relativamente ao seu crescente reconhecimento no contexto mais vasto do mundo artístico como um todo, e a Umbigo posiciona-se na dianteira deste movimento.

Isto também suscita a questão: o que é a arte queer? A nossa conclusão seria, naturalmente, que não existe uma resposta única, e é isso que a torna interessante. Como é óbvio, relaciona-se com expressões de orientação sexual e de género, mas mesmo isso está em constante evolução, sendo objeto de um feroz e interminável debate entre nós, quanto mais entre outros. O que é verdade é que os novos meios de comunicação e o digital têm permitido uma maior visibilidade e incentivado a voz destes artistas, enquanto ao mesmo tempo, de forma curiosa e inversa, têm alterado a nossa perceção e compreensão do “nosso” eu.

Este primeiro dossiê, que apresenta artistas queer gregos (sejam eles residentes ou nascidos na Grécia), resultou de uma sequência feliz de acontecimentos, porque pelo menos no âmbito do ocidente – e do que ele representa, no qual Portugal também se integra -, a Grécia é um estado-nação que manifesta vivamente as tensões e os triunfos que afetam muitos de nós, numa época de imensa agitação e renovada violência contra os nossos membros. Os direitos arduamente conquistados pela comunidade queer, conseguidos após décadas de ativismo, doença, negligência e preconceito do Estado e da sociedade, parecem estar agora mais uma vez ameaçados, bem perto de casa. Os artistas queer podem deixar de estar em segurança – como Zackie-Oh e outros o provaram – quando assumem uma posição mais militante e combativa. Institucionalmente, o nosso trabalho tem sido marginalizado e banalizado. As respostas a este desafio, numa oportunidade para falar “em voz alta”, comunicando através de um simples “postal das periferias”, tal como são tratadas nesta secção transversal de artistas assumidamente queer, variam entre as pessoais e as políticas, as comemorativas e as cínicas. Mas sempre queer.

 

 

 

Colin Ginks (n. 1968) é inglês, vive em Lisboa e desde os finais dos anos 80 que se dedica às artes visuais em Portugal. É criador multidisciplinar: artista plástico, escritor, jornalista e tradutor. Teve a sua primeira individual em 2001 na discoteca Frágil e a partir desse momento teve várias exposições individuais e coletivas, por cá e internacionalmente. Foi selecionado para uma residência artística KuBa KulturBahnhof, Alemanha, em 2019, e outra em Atenas, em 2021. Em inglês publicou um romance em 2000 e vários contos. É curador do novo dossiê sobre a Arte Queer da Umbigo. Colaborou como ator e co-escritor nas peças de teatro da encenadora Isabel Mões, A Minha Europa (2017) e Self Portrait, como é que a gente luta? (2022).

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