Uma coleção intemporal e emergente Institut Culturel Bernard Magrez
“Une collection c’est un chemin, un parcours, un voyage dans l’histoire d’un homme
qui a passé parfois une vie à chercher la pièce manquante.”
Aurélien Desailloud, Diretor Artístico
A Collection de Bernard Magrez é reconhecida pela sua riqueza ao nível da criação artística contemporânea, francesa e internacional. O colecionador que lhe dá nome é também um dedicado mecenas, vocacionando a sua filantropia no apoio à criação artística. É na cidade de Bordéus que se situa o seu espaço de exposições, num instituto com um programa contínuo ao longo do ano, do qual se destaca a mais recente mostra, considerando que, tal como indica o seu diretor artístico, Aurélien Desailloud, é a maior exibição de artistas contemporâneos jamais concretizada nessa cidade francesa. Aí se apresentam várias das mais relevantes aquisições de Magrez, no que perfaz um total de oitenta obras da coleção, a conhecer até ao próximo dia 2 de outubro.
O Instituto Bernard Magrez situa-se no Château Labottière, um encantador edifício neoclássico, classificado como monumento histórico desde 1935. Construído em 1773 enquanto residência da família Labottière, foi, anos mais tarde, espaço de espetáculos, apelado de Tivoli, e, depois, lugar de “fêtes champêtres”. Embora o município de Bordéus tenha projetado torná-lo um Musée des Arts Décoratifs, acabou por ficar abandonado até ser retomado como Hôtel Labottière e, depois, passar a funcionar como anexo do atual Lycée Montesquieu. Em 2011, foi adquirido e restaurado por Bernard Magrez, que o reabriu tal e qual como se apresenta hoje.
No contexto da atual exposição, inaugurada a 19 de março, cada sala tem um ambiente próprio, determinado tanto pelas obras de arte como pelas características espaciais, a luminosidade, os motivos decorativos e as tonalidades das paredes e dos tetos. Assim, o percurso expositivo que se propõe, definido por um fio condutor que se desenrola em experiências estéticas dinâmicas e sensoriais, é resultado da relação e da união entre a arte exposta, a arquitetura e o design. Tal é anunciado no belo hall de entrada, ocupado por algumas das peças mais valiosas da coleção de Magrez, nomeadamente, da autoria do fotógrafo Steve McCurry, a icónica Afghan Girl (1984), que fez capa da National Geographic UK em 1985 e que, desde então, é considerada um símbolo dos refugiados de todo o mundo.
Recomenda-se prosseguir a visita pela biblioteca, onde a envolvência serena do espaço é desafiada por obras vibrantes, tais como o colorido acrílico Divinités, do pioneiro da figuração livre francesa, Robert Combas, disposto sob o tom castanho quente da parede. Com uma semelhante força disruptiva sobressaem várias peças na penumbra do grande salão e de uma sala decorada por pinturas holandesas. Em ambos os espaços, conta-se uma maioria de artistas franceses tais como Martial Raysse, um dos fundadores do Nouveau Réalisme, e Jules Dedet Granel – aka L’Atlas – aclamado pelo seu estilo arrojado e geométrico, inspirado na cultura de rua e dos grafitis.
Por sua vez, no primeiro piso, são artistas de outras nacionalidades que se destacam, nomeadamente, o ucraniano e soviético Boris Mikhailov. Da autoria deste último expõem-se, no pequeno salão, dois exemplares da série Case History(1977), trabalho de caráter documental, ilustrativo da desintegração social na Ucrânia durante a ocupação da União Soviética. O ambiente e o indivíduo respetivamente capturados nas fotografias são reveladores da precaridade então vivida, da pobreza e da opressão social. O rigor e o detalhe fotográficos são acentuados pela impressão de escala quase humana, evidenciando-se, mais ainda, o conteúdo das imagens. Em resultado disso, e no decorrer da trágica atualidade do contexto em causa, as duas fotografias tornam-se das mais marcantes da exposição.
Com um caráter semelhante salientam-se, no pequeno salão do mesmo piso, dois retratos de refugiados da Etiópia, fotografados por Sebastião Salgado, entre 1984 e 1985, no pico da crise da carestia em África. As imagens, então disseminadas enquanto fotojornalismo, contribuíram para o que se tornou num forte movimento de solidariedade de escala internacional. A fotografia é, com efeito, uma técnica de particular relevância, e o seu predomínio na coleção de Magrez revela isso mesmo. Embora com um teor distinto, indicam-se duas outras imagens de Steve McCurry e uma de Cécilia Armellin, no escritório, e, ainda, produções de moda com figuras tais como a manequim Milla Jovovitch, por Peter Lindbergh para a Vogue Itália, e o retrato da cantora Françoise Hardy, assinado por Jean-Marie Périer, nos dois salões ovais. A fotografia une-se, ainda, à pintura com os incontornáveis Pierre & Gilles, em Le deséspéré (2013), no boudoir.
Esse último espaço é, no entanto, dominado por duas peças tridimensionais que se sobrelevam das demais a nível visual, formal e estético. A primeira, Cadre Caldera (2016), de Junior Fritz Jacquet, é um magnífico exemplar de um trabalho inspirado na arte japonesa do origami. A obra, concebida a partir de papel, emerge da convergência de linhas que culminam num imponente centro de formas orgânicas. Embora apresentada enquanto “vulcão adormecido que esconde o seu fogo”, revela-se, simultaneamente, harmoniosa e delicada. O seu branco puro e luminoso contrasta com o pigmento azul forte de um painel de centro delineado por folha de ouro branco em resina. Esta última obra em questão, de Lita Albuquerque, desafia o campo percetivo, parecendo avançar e recuar consoante a perspetiva e a distância do olhar. Assinalam-se, também, outros nomes que enriquecem a coleção de Magrez, tais como a fotógrafa e realizadora Sam Taylor Wood, Damien Hirst e Andy Warhol.
“Ne jamais renoncer” é a filosofia de vida de Bernard Magrez, e a partir da qual se nomeia uma mostra de novos artistas, num anexo do castelo. Never Give Up é ilustrativa do mecenato do magnata, com obras de artistas de rua, artistas plásticos e fotógrafos, tais como Charles Foussard, Renaud Chambon e David Siodos, respetivamente. Evidencia-se, pois, o apreço de Magrez por várias práticas e disciplinas, donde, pela pluralidade da criação artística contemporânea. Constata-se, também, a importância que ele confere à representação de problemáticas sociopolíticas, como é exemplo Escape, de Thomas Sappe, a fotografia de um jovem marroquino que, movido pela vontade de emigrar, atravessa o muro da última base africana situada imediatamente antes da travessia do Mediterrâneo para Espanha. Esta exposição encontra-se passível de visitar até ao dia 25 de setembro.
Diga-se por último que, nestes próximos meses, se conciliam duas exposições que, em conjunto, atravessam desde os exemplares de obras da grande criação artística contemporânea às novas formas emergentes. A visita ao Instituto Bernard Magrez torna-se, assim, uma oportunidade única e particularmente rica.
A exposição está patente no Instituto Bernard Magrez, até ao dia 2 de outubro.