À Conversa com Theodore Ereira-Guyer
Envio o convite e fico a olhar para a minha cara no ecrã do computador, treinando sorrisos para quando ele chegar. O olhar de jornalista séria, o sorriso de conversa descontraída o relance para o documento de notas sem parecer que preciso de cábulas, check.
Poderíamos ter tido esta conversa em pessoa, mas a rotatividade mútua entre Lisboa e Londres favorece uma entrevista entre um café no Chiado e um estúdio em Tower Bridge. Quando eu fui visitar a exposição ele estava na AR.CO, quando eu vim para Lisboa, ele já estava em Londres.
Theodore Ereira-Guyer tem a sua primeira exposição a solo, Thicket, na Galeria Elizabeth Xi Bauer. De mãe inglesa e pai português, vamos trocando experiências entre as duas cidades quando o deixo entrar no meu Meeting Room.
Mariana Baião Santos: Fala-me sobre o título da exposição, o que é um Thicket (mato) para ti?
Theodore Ereira-Guyer: Penso que muitas vezes quando trabalho estou interessado em remover a linha do horizonte, o aspeto ocidental da perspetiva singular, o ponto de fuga. Portanto, tenho interesse neste tipo de coisas como a floresta, o deserto. No mato em que se está totalmente imerso no espaço, não há uma coisa singular em que se possa concentrar.
MBS: Tenho de admitir que as primeiras vezes que li o título da exposição, pensei que era um “thicket”, como num bilhete para viajar e estava a tentar encontrar os sinais de uma viagem, mas é bastante interessante dizeres isso, pois é o oposto, pode-se sentir-se estagnado sem perspetiva.
TEG: Sim, há uma sensação de não saber para onde viajar. É como no deserto, não há nenhum desses sinais topográficos, uma espécie de “virar à esquerda no supermercado”, nenhum fenómeno feito pelo homem para nos localizarmos.
MBS: Falas muito de memória e densidade e de como isso se relaciona com a mata.
TEG: Porque há menos para ver de alguma forma, menos para a mente se concentrar visualmente, sinto que há uma oportunidade para uma paisagem mental, para a memória ser o foco. Há um arquiteto finlandês, Juhani Pallasmaa, que me interessa bastante, que fala sobre as qualidades do cinzento e penso que estendi o conceito para mono cor e imagens de baixo contraste. Ele fala de cinzento como em, porque há menos em que focar, permite um espaço mais expansivo para a mente.
MBS: Quando entrei, o que me veio à cabeça foi teatro, encenação, cultura grega antiga e mitologia, das colunas, das ruínas, do cenário… Gostei que os desenhos fossem bidimensionais, mas com os painéis tornam-se um cenário, como é que isso veio a ser? Como é que a madeira se relaciona com o papel e o mato?
TEG: Isso é bom de ouvir, estava a pensar em teatro e queria deliberadamente mostrar a parte de trás das paredes e como são construídas, pode-se ver os parafusos, pode-se ver as juntas, não estava a tentar esconder nada, queria essa qualidade de adereço. Por um lado, estas obras são gigantes, massivas, ocupam todo o nosso espaço visual. Por outro, elas são finas e completamente invisíveis. Acho que queria usar este aspeto teatral, semelhante a um cenário, para realçar como uma imagem pode desaparecer completamente ou tornar-se total.
Tenho pensado muito sobre as minhas paisagens, como elas habitam o espaço mental, mas também como se pode estar fisicamente à sua frente, como espectador nos tornamos num ator no espaço. Tenho pensado também nas qualidades performativas que existem em torno de uma obra de arte, não de uma perspetiva sociológica, mas mais de uma experiência artística ritualista.
MBS: Nessa perspetiva, algo que parece importante para ti são os materiais, como parte integrante da obra.
TEG: Definitivamente, utilizar madeira, papel, algodão, não é uma perspetiva completamente ecológica de não querer utilizar plásticos, mas há também um aspeto de querer apenas utilizar materiais intemporais, para que possa haver uma conversa com a antiguidade, no sentido de que existe uma experiência humana mais longa e duradoura. Não se trata de assumir a modernidade, mas de criar um diálogo mais longo.
MBS: Estava a pensar no diálogo entre as árvores na mata, a madeira e o papel, como fases de produção ou de decomposição.
TEG: Não é algo em que eu tenha pensado, talvez a um nível inconsciente, mas gosto disso como ideia.
MBS: Qual é o fascínio pelas gravuras? São reprodutíveis, mas tu torna-las únicas.
TEG: Gosto da qualidade das marcas, há uma sensação de profundidade e textura rica que é, ao mesmo tempo, incrivelmente plana. Faço-o para alcançar uma qualidade específica, fazendo uma e tornando-a única sinto que é uma extensão de uma prática de pintura.
Gosto do aspeto de trabalhar na placa de gravura para este momento único de revelação. Quando se está a pintar, deixa-se uma marca e pode-se ver o que é imediatamente, com uma gravura não se vai ver o que é até à impressão.
MBS: Existe algum tipo de alívio ao não ter tanto controlo sobre o resultado final?
TEG: Definitivamente, definitivamente. Estou a trabalhar dia após dia, como é que se pode manter esta energia viva? Uma das formas de o fazer é confiando no processo de impressão de gravura.
MBS: Gostei muito desta citação que mencionaste: “Aqui tudo parece estar em construção, mas já está em ruínas”, declarou Claude Lévi-Strauss quando visitou São Paulo, na década de 1930. A ambiguidade e a coexistência de duas realidades conflituosas, esta é uma ideia que integral da tua prática? Ou é mais específica a esta exposição?
TEG: Há uma citação de Proust em que eu estava a pensar muito, como tenho pensado em frescos, ele fala de que quando um fresco começa a desaparecer, uma nova imagem é criada, por isso obtêm-se esta dualidade entre aparecer e desaparecer, ruínas e construção. Esta tem sido definitivamente uma preocupação prolongada ao longo dos anos.
Esta é também uma das coisas entusiasmantes sobre o objeto de arte, não estou a fazer vídeos ou trabalhos em 3D, adoro esta parte efémera da experiência artística, como ela muda ao longo dos anos.
MBS: Finalmente, algum projeto futuro sobre o qual nos possa falar?
TEG: Vou para São Paulo, tenho uma exposição individual com o The Bridge Project. E depois terei uma exposição dupla com um artista holandês, que faz tapeçarias, em Outubro em Lisboa.
Continuamos a discutir banalidades, magicando uma possível altura em que nos possamos encontrar em pessoa num país ou outro. A exposição de Ereira-Guyer está em exibição até 30 de junho.