numa viagem afetiva de memória-imagens Finding a Way: Exposição individual de Simone Fattal na Whitechapel Gallery
«Em círculos críticos, a nostalgia tem uma conotação negativa, até decadente. Mas a etimologia da palavra desvenda outros significados. Vem do grego nostos, regresso a casa, e algos, dor. Segundo Jane Gallop, após “saudades de casa“ e “arrependimento melancólico“, existe no dicionário uma terceira definição de nostalgia, que é “desejo insatisfeito“. E é isso que a palavra sempre me deu a entender: desejo não consumado, mantido vivo por incursões privadas nos espaços culturais da memória» [1]
Regressar a casa é algo normalmente associado a um vislumbre positivo sobre o futuro. “Sonho“ não seria provavelmente a melhor maneira de o descrever. Afinal, a ideia insistente de que isto inevitavelmente acontece acabaria por romper quaisquer camadas de encantamento ou imaginação. Talvez seja mais exato, embora menos esperançoso, encarar esta viagem como um anseio por uma expetativa do passado. Avançar para este desejo-ainda-por-realizar é a força motriz por detrás de Finding a Way, a atual exposição de Simone Fattal na Whitechapel Gallery. Concebida face às correntes migratórias provocadas pela pandemia, a exposição é um conto sobre o regresso a casa, espiritualidade, deslocação e memória, narrado através de ondulações fantasmagóricas de nostalgia.
Somos recebidos por cinco figuras de barro e bronze a meio de uma viagem, uma procissão física e espiritual. Engolfados numa antiga paisagem de esculturas e aguarelas, colagens e símbolos esotéricos, a natureza globalmente fragmentada das obras expostas comprovam a delicada, mas complexa malha da história e memória de Fattal.
Para narrar a odisseia rumo às suas obras interiores, não poderia haver um material mais apropriado do que o barro. Transportando consigo uma substância ancestral e um ponto de partida primitivo, o barro «é uma espécie de material originário que precede outros géneros de atividade artística.» [2] Precedida pela exposição individual A Clay Sermon de Theaster Gates, Finding a Way desenvolve a ideia de Gates de que «o barro funciona como a poesia.» [3] Embora de formas diferentes, ambos os artistas encontram em comum o poder do barro para conter metáforas e para, devido à sua natureza geológica, encapsular várias camadas cronológicas. Embora aceitando a inevitabilidade de seguir em frente, Fattal entrevê a ideia de que o tempo não é necessariamente igual à duração – é capaz de saltar para a frente, reverter, ir contra e posicionar-se por si mesmo – tal como a poesia.
As comissões anteriores de Sébastien Delot, as três gravuras em exposição representam os planos da cidade de Damasco, onde a artista nasceu. Extraído das memórias da infância e relembrando as perspetivas superiores da arquitetura, Vers les Omeyyades (2020) é um «exercício para representar o que lembramos, tentando ao mesmo tempo ser exatos».[4] Esta necessidade de exatidão arquitetónica contrasta com a natureza evasiva da recordação apresentada na teia não linear do passado, presente e futuro de Finding a Way. A interseção de linhas temporais de Fattal é apoiada ainda mais pelas formas abstratas que preenchem a galeria – humanas e estruturais. Estas últimas, marcadas por estelas, pedras esculpidas em pé e pilares arquitetónicos, apontam para o imaginário humano dos locais de escavação, templos antigos, janelas para um passado longínquo enquanto «momentos de memórias.» [5]Articulando questões de memória enquanto lugar, Finding a Way não só questiona, mas participa ativamente na dissecação das incursões políticas da memória e arqueologia culturais. Abraçando paradoxos temporais e históricos, as ruínas permanecem como testamento do passado enquanto nos projetam para o futuro. Ao contrário da opinião generalizada, o estado de ruína, ou a desfiguração do original, não são sintomas de esquecimento e abandono. Pelo contrário, mediante uma intrincada teia de opostos, recordar está para as ruínas o que esquecer está para a memória. Sem a tendência natural para a memória desaparecer e as superfícies materiais se deteriorarem com o tempo, não haveria margem para a imaginação. Estes restos fragmentados devem ter «uma certa (talvez indeterminada) quantidade de uma estrutura construída ainda de pé para que possamos referir-nos a eles como ruína e não somente como um amontoado de escombros.» [6] Agem como miragens fictícias de tempo e lugar, gatilhos que nos permitem voltar atrás e «recuperar a possibilidade do passado.» [7]
É assim que a ausência se torna a personagem principal nos processos de recordação dispersos, desfocados e fugazes. Sempre com base em imagens do passado, esta ausência permite que a imaginação seja posta em movimento: «o ato da imaginação (…) é um encantamento que se destina a produzir o objeto do próprio pensamento, aquilo que se deseja, de forma que possamos tomar posse dele.»[8] Impelida pelo objeto desejado não-estar-lá, a viagem reflexiva rumo ao passado é desencadeada. A memória-imagem, operando entre uma memória que recorda e uma memória que repete, pinta o espaço evasivo da alucinação e ficção. Assim, a recordação torna-se não um rápido mergulho no passado, mas um exercício de imaginação do que costumava ser.
A abordagem de Fattal ao ato de regressar a casa não é o mero revisitar do passado. Revela a sua sedução, que nós transportamos, e para a qual somos inevitavelmente atraídos. Mas este desejo não é de mumificação ou quietude, caso em que a imobilidade se tornaria presença imponente na fluidez da recordação. Regressar a casa é a memória coreografada através das ruínas imagéticas do que estava contra a impossibilidade de regressar por completo. Esta viagem não é mais do que a sua própria antecipação imagética – não é um reacender, como poderíamos pensar. E, tal como a pulsão de morte de Derrida, esta memória está sempre, inevitavelmente, virada para o futuro. Completar esta viagem não é «reconstruir o lugar mítico chamado casa (mas sobre) adiar perpetuamente o regresso a casa em si.» [9]
Finding a Way rompe a ansiedade da continuidade histórica através de uma perspetiva poética sobre as imagens da memória que pavimentam o caminho do passado. Em exposição até 22 de junho na Whitechapel Gallery, Londres.
[1] Davey, Moyra. Index Cards (2021) Londres: Fitzcarraldo Editions.
[2],3 Yee, Lydia (Host). (Novembro 2021) Theaster Gates: A Clay Sermon. In Hear Now (No.14). Whitechapel Gallery.
[4], 5 Smith, Laura (Host). ( ) Simone Fattal: Finding a Way. In Hear Now (No. 12). Whitechapel Gallery.
[6] Dillon, Brian ( ) A Short History of Decay. In B. Dillon (Ed.), Ruins (pp. 10 – 19 ). Londres: Whitechapel Gallery; Cambridge: The MIT Press.
[7] Deleuze, Gilles (1989) Cinema 2: The Time-Image. London: Athlone Press.
[8] Sarte, Jean-Paul. (2010) The Imaginary: A Phenomenological Psychology of the Imagination. Oxfordshire: Routledge.
[9] Boyn, Svetlana (2002). The Future of Nostalgia. Nova Iorque: Basic Books.