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Em memória de mim: Gisela Casimiro no Armário

O Armário vai viajar. Até junho de 2023, o Armário vai circular entre quatro cidades do país. A primeira paragem é em Coimbra, no Colégio das Artes, onde se apresenta com uma instalação de Gisela Casimiro, musicada por Odete. Seguem-se: Almada, com Alexandre Estrela; Porto, com Inês Brites; Caldas da Rainha, com os Von Calhau; Évora, com Belém Uriel; regressando a Lisboa em maio do próximo ano com uma instalação de Luísa Cunha.

Sediado na calçada da estrela, numa sala da antiga escola Arte Ilimitada, O Armário é um projeto curatorial de Benedita Pestana e tem sido palco e corpo de inúmeras intervenções ao longo dos últimos 8 anos. A partir de maio, o projeto fez-se móvel, piscando o olho às boîte-en-valise, de Marcel Duchamp, conhecido pelas celebradas provocações que transformavam objetos produzidos em massa na arte do ready-made. Mas o papel de Duchamp enquanto curador, não foi menos radical e influente, com os museus miniatura, construídos dentro de malas de mão, onde se reuniam réplicas de pinturas, colagens e esculturas. Uma espécie de dispositivo expositivo portátil, à semelhança das seiscentistas kunstkammer (gabinetes de curiosidades), que nos levam a refletir sobre a génese do museu.

O corpo, o luto e a espiritualidade são temas transversais à prática de Gisela Casimiro, que transformou o armário num relicário, um cabinet de curiosités. “Querido relicário, / Eis-me aqui, consciência divina, brisa tranquila, tamagochi bomba, um coração a pilhas que cuidei sem beijar” [1]. No seu interior, objetos pessoais convocam um ambiente doméstico, —um par de óculos repousa sobre uma pilha de cartas em suspenso— mas é necessário abrir portas para descobrir prateleiras de significados, porque até um despretensioso vaso de flores, pode conter uma profunda referência às vanitas (latim para “vaidade”). As pétalas caídas e as velas gastas convocam um memento mori (expressão latina para “lembra-te que tens de morrer”), presente nas naturezas-mortas, para lembrar o espectador da brevidade e fragilidade da vida, mas também a inutilidade da vaidade e dos prazeres mundanos.

O perfil do observador, congelado na quietude contemplativa, diante de uma natureza-morta é refletido pelas portas de vidro do Armário, justapondo-se à longa tradição pictórica da natureza perecível, colocando em tensão quietude e permanência, transitoriedade e efemeridade. O espectador participa por isso na alegoria da vanitas, simultaneamente tornando-se o objeto observado e completando “o quadro”. A poética da perda leva-nos a refletir sobre a morte enquanto fenómeno biológico e social, sobre a previsibilidade, mas também sobre a incompreensão, que revela a importância dos rituais milenares que nos ajudam a lidar com questões íntimas e afetivas, sociais e políticas. Mas poderá o espectador passar da contemplação à ação? Poderá a vulnerabilidade dos corpos, ativar novas coreografias de solidariedade e políticas de cuidado?

Em memória de mim de Gisela Casimiro, está patente no Colégio das Artes de Coimbra até 3 de junho.

 

[1] Jacinto, Rafaela. (2022). Em memória de mim [Folha de Sala]. Coimbra: O Armário.

Filipa Valente (Aveiro, 1999) frequenta o mestrado de Estudos Curatoriais, no Colégio das Artes (UC) e é licenciada em Artes Visuais e Tecnologias Artísticas, na Escola Superior de Educação (IPP). Trabalha na OSMOPE, como atelierista. É cofundadora da Galeria Ocupa. Escreve para a revista Umbigo. Foi assistente de Curadoria e Press-officer na Ágora_Bienal de Arte Contemporânea da Maia 2021. Participou na curadoria da exposição “No sonho do homem que sonhava, o sonhado acordou”, apresentada no CAPC (2021) e no MNAC (2022), sendo responsável pelos textos da folha de sala e da publicação. O seu percurso enquanto artista iniciou-se em 2019, destacando-se as exposições individuais: “Pedra Aberta” (Concertos que nunca existiram, 2019) e “A Forma do Vazio” (Galeria Ocupa, 2019); as exposições coletivas: “As pedras também constroem coisas” (Cisterna da FBAUL, 2021), “Presente Contínuo” (Centro de Arte Oliva, 2020), “Trabalho Capital # Greve Geral” (Centro de Arte Oliva, 2020) e “A Espessura do Mundo” (Espaço Mira, 2019); e a participação em eventos como: a mostra de videoarte no Canal 180, em parceria com a Ágora_Bienal de Arte Contemporânea da Maia 2021. Em 2021, participou no Laboratório de Investigação, Formação e Criação Artística | END+, produzido pelo Colectivo 84, com o projeto de escrita "Drama, na 3ª Pessoa" que integrou posteriormente o Festival END – Encontros de Novas Dramaturgias | 5ª Edição (2022).

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