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ARCOlisboa – Cordoaria Nacional

Entre as inúmeras galerias presentes na Cordoaria Nacional, os galeristas manobrando-se no mundo que detém, os assistentes tão cansados como excitados, o público curioso, o abastado e o indiferente, no mais próximo do Natal que a arte contemporânea tem em Portugal, algures no meio de tudo isto, acordamos com uma obra de Richie Culver, mesmo a pedir um post de Instagram. Grita, afirmando, Lisbon is Boring. Provoca-nos diretamente e, apesar de afirmar, faz-nos uma pergunta: expõe o dilema, verdadeiro ou falso, que é necessário descodificar neste texto. Is it really boring?

Em termos temáticos, pouco se alterou em comparação com anos anteriores: continuou o foco em produção africana, com o programa “África em Foco”, manifestação de um progressivo interesse dos mercados de arte contemporânea nestas produções, que provocaram este ano alguns dos momentos mais memoráveis da feira: destaque para mostra da This is Not a White Cube, onde um conjunto de artistas de abordagens radicalmente diferentes entre si, nos trouxe uma das mostras mais sólidas deste ano – a escultura pesada, entre a distopia e o afrofuturismo, de Patrick Bongoy, o hipnótico expressionismo pós-colonial de René Tavares, e a bem humorada, mas nunca leviana pintura de Cristiano Mangovo. Galerias internacionais como a ugandesa Afriart ou a francesa 193 Gallery levaram também notáveis destaques neste domínio, como o belíssimo trabalho do veterano, ainda pouco reconhecido, Sanaa Gateja ou a pulsante nova figuração de Cedric Tchinan. O que faz estes exemplos brilharem no meio do caos esmagador da feira de arte é a sua imediatez, como não perdem tempo com mistérios para se revelarem atraentes ou captarem a nossa atenção, em abordagens que parecem querer fugir ou redefinir as imposições formais europeias e norte-americanas. Fundam uma originalidade própria, uma visão refrescante, humanizada no meio de categorias, cânones, lugares-comuns que se tornaram balizas corporativas. As feiras de arte vivem disso. Esta não é exceção.

Não é raro encontrarmos produções estereotípicas: a mostra da madrilena Heinrich Ehrhardt parece fazer-se de composições fantasma, obras originais que se mostram como réplicas de nomes ou movimentos reconhecíveis – o revivalismo construtivista das esculturas de Fernando García ou as bidimensionais serigrafias de Secundino Hernandez que parecem ainda olhar a obra de Andy Warhol como um ponto de não retorno. Outro exemplo poderá ser o stand da galeria Pedro Cera que, apesar de uma ampla variedade de nomes e meios formais, dando azo a algumas produções interessantes (destaque para as pinturas hiper-reais de Gil Heitor Cortesão e os belos desenhos de Miguel Branco), manifesta um olhar mais comercial ou seguro às produções artísticas contemporâneas, nas reiterações abstratas de Antonio Ballester Moreno ou a vacuidade plástica de Tobias Rehberger, como um Koons pintado a mate. Ao longo da feira não são, no entanto, e de longe, os únicos casos.

Houve espaço também para nomes sonantes da arte contemporânea mundial, que nem sempre temos oportunidade de ver pelos museus portugueses: a imponente Elvira Gonzalez expõe-nos uma obra de Robert Mapplethorpe e algumas peças de Oláfur Eliasson; a austríaca Krinzinger mostra-nos uma fotografia de Marina Abramović; já a espanhola Leandro Navarro apanha-nos desprevenidos ao colocar-nos num verdadeiro museu do século XX, apresentando várias obras de Antoni Tàpies, assim como de Kurt Schwitters, Christo ou até Matisse.

Como é habitual, a maioria das galerias opta por uma abordagem total em termos expositivos, fazendo do pequeno espaço o máximo que podem, quer apresentando amostras de exposições passadas, ou compilações de artistas que representem. Há outras que arriscam, usando o espaço disponível para darem voz a um único artista, compondo microexposições. Na maioria dos casos, esta abordagem dá frutos: os destaques vão para a estreante Zeller Van Almsick e a londrina Greengrassi. Na primeira, veremos uma das abordagens pictóricas mais criativas de toda a feira: o trabalho de Dejan Dukic, onde o artista terá pressionado um impasto de tinta no reverso das telas de modo a penetrarem as fibras para a frente do corpo pictórico. O resultado é surreal, parecendo que organismos vivos brotam da superfície da tela. Já na última, observamos o trabalho de Alessandro Belotti, onde amálgamas de cores e gestos se unem em retratos de personagens tão cómicas quanto afirmativas, reformuladoras de géneros e identidades provindos de um ato pictórico que aqui parece sempre vital, espontâneo. Esta abordagem mais arriscada não terá compensado, no entanto, na galeria Leyendecker, onde uma mostra de Alberto Borea se fez de assemblagens derivativas entre dourados e cinzentos, em contrastes flagrantes, desagradáveis ao olhar, a roçar o kitsch, salientados ainda pelo negro da museografia imposta, contrastando não só com as peças, como, de resto, com os restantes stands de exposição.

É importante não deixar de referir duas outras secções da feira: o regresso da habitual Opening Lisboa, com a mostra de um conjunto de fervilhantes novas galerias com mostras mais intimistas, mas não menos competentes, onde se destacou a georgiana Artbeat com os pequenos retratos de Nika Kutateladze e Nato Sirbiladze, e a área do Prémio Arte Jovem atribuído pela Fundação Millennium, compreendendo aqui alguns interessantes trabalhos de vencedores passados deste prémio como Fábio Colaço ou José Taborda.

Numa feira como esta é difícil apurar todos os destaques e falhas, até porque rapidamente os nossos sentidos entram em saturação. Uma feira de arte nunca é o melhor sítio para apreciar objetos artísticos, mas sim para mergulharmos no ecossistema em que estão submersos, nos bastidores desse palco que contemplamos silenciosamente em museus e galerias. Resulta uma experiência agitada, casual, mas excitante e divertida. À parte da eterna questão das apostas seguras, as iniciativas foram pertinentes, e as galerias, na maioria dos casos, também. Na verdade, (e em resposta ao Richie Culver) não foi nada aborrecido. Para o ano há mais.

A ARCOlisboa decorreu nos dias 19 a 22 de maio na Cordoaria Nacional.

Miguel Pinto (Lisboa, 2000) frequentou a licenciatura em História da Arte pela NOVA/FCSH, através da qual veio a realizar um estágio no Museu Nacional do Azulejo. Participou no projeto de investigação VESTE – Vestir a corte: traje, género e identidade(s), alojado pelo Centro de Humanidades da mesma instituição. Criou e gere o projeto a Parte da Arte, que pretende divulgar e investigar o panorama artístico em Portugal através de vídeo-ensaios explicativos.

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