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Salvai as nossas almas: S.O.S de Eugenio Ampudia no Panteão Nacional

Três pontos, três traços, três pontos. S.O.S. É a mensagem que Eugenio Ampudia, escolheu emitir em todas as portas e janelas do Panteão Nacional. Em código morse, esta instalação luminosa, envia um sinal de socorro internacional com a intenção de dialogar com os cidadãos e pôr em evidência a crise climática que o planeta está a sofrer. É uma ação que se incluiu no programa da ARCO Lisboa 2022, altura em que a cidade foi ponto de encontro para colecionadores, galeristas, artistas e amantes da arte de todo o mundo.

Composta por oitenta holofotes LED instalados nas aberturas de todo o edifício, quando a noite se estabelece as luzes de cor verde são ativadas, emitindo um sinal intermitente de alerta que pode ser visto de vários pontos da cidade de Lisboa. Ultrapassando as barreiras da linguagem, o emblemático Panteão Nacional, transforma-se num emissor do sinal de socorro internacional.

A crise climática e a relação dos humanos com o planeta Terra e as espécies que nele habitam, é um tema central na obra de Eugenio Ampudia. Em 2020, por ocasião do final do estado de emergência, Ampudia reabriu a programação do Gran Teatre del Liceu em Barcelona com o Concierto para el Bioceno. Nesta ação, o artista concebeu um concerto para plantas, que ocuparam na totalidade os 2292 assentos do teatro e, assistiram a uma interpretação da peça Crisantemi de Giacomo Puccini. Foi um concerto concebido exclusivamente para plantas, convertendo-se num ato simbólico para uma mudança de paradigma que desafia o conceito de Antropoceno. A curadora deste projeto, Blanca de la Torre, introduziu o conceito que dá nome à obra: Bioceno. Aqui, fala-se de uma nova era que finalmente coloca a vida no centro, que supera o antropocentrismo e a convivência entre as espécies. Sobre a origem deste conceito, Blanca de la Torre referiu que:

“Biocene is a concept I have been proposing for some time now to replace Anthropocene, a word with obvious political, economic and particularly colonial implications on the environmental degradation of the planet and which distributes responsibility homogeneously among the whole of anthropos.”[1]

O Bioceno não pretende destacar o agente da degradação do planeta, e desvincula-se de qualquer pretensão de atribuir uma culpa a toda a crise eco-social pela qual passamos. Ao colocar a vida no centro, pretende-se sugerir a criação de novas alianças entre entidades humanas e não humanas e, avançar para uma nova perspetiva em relação ao mundo.

A obra S.O.S de Eugenio Ampudia, com curadoria de André de Quiroga, pretende colocar novamente em evidência este conceito, esta nova era. A arte envia um sinal de alerta diretamente para nós a partir deste monumento, onde se acentua a carga simbólica. O projeto S.O.S foi apresentado pela primeira vez em 2014, na fachada do Museu Nacional de Artes Decorativas em Madrid. Agora, oito anos depois, a mensagem continua a ser essencial. Na conferência de imprensa de apresentação do projeto, Eugenio Ampudia confessou a sua confiança na humanidade e realçou o seu interesse em trabalhar sobre as relações entre espécies. E, quando questionado sobre que outros lugares imaginaria a peça S.O.S a ser transmitida, Ampudia pensou na possibilidade de, um dia, este sinal intermitente ser lançado para o espaço, como um último e derradeiro pedido de ajuda.

Cada vez mais a arte e os artistas atuam como mensageiros do coletivo na transmissão de alertas de grande escala sobre a urgência climática. Em 2014, o artista Olafur Eliasson apresentou a obra Ice Watch, uma instalação (apresentada numa praça de Copenhaga) composta por doze enormes blocos de gelo que se tinham separado do iceberg principal da Gronelândia. Foram colhidos e recolocados num espaço público, possíveis de tocar, cheirar e sentir, as pessoas puderam testemunhar de perto o seu desaparecimento; o gelo foi deixado a derreter numa demonstração pública daquilo que acontece por consequência das alterações climáticas. Já em 2021, Jenny Holzer, conhecida pela utilização de texto nas suas obras, apresentou o projeto Hurt Earth, uma projeção em grande escala sobre o edifício da Tate Modern em Londres. Aqui, as palavras de mais de quarenta ativistas foram projetadas com o intuito de aumentar a consciencialização sobre a crise climática e humanitária; “If not now then when” ou “Our mistakes, our ignorance, our greed, our subservience, will cascade through the decades irreversibly” foram algumas das frases que se mostraram neste projeto.

Os artistas que amplificam a crise que o planeta está a sofrer, têm optado por uma linguagem literal e direta. Eugenio Ampudia segue esse mesmo caminho com a obra S.O.S, sublinhando que “a arte emite sinais que são obrigados a ser tão poderosos quanto possível. Sempre foi assim e agora, numa situação limite como a que vivemos no planeta em que vivemos, esses sinais devem ser diretos, contundentes, literais se necessário”[2]. Porém, este sinal intermitente não parece sobreviver por si só, é necessário contexto para o compreender; emitir um sinal universal de alerta num edifício como o Panteão Nacional, não evidencia de forma direta a urgência climática. E, a razão poderá ser exatamente por se tratar de um sinal tão universal, que acaba por se perder nas inúmeras possibilidades do seu significado.

Contudo, não restam dúvidas: o sonho de emitir um sinal S.O.S para o espaço, seria a melhor forma de alertar para a urgência que existe em salvar as nossas almas.

 

 

[1] Blanca de la Torre “Conversations with a ficus: sustainability, ecosocial crisis and multispecies coexistence” (2021), Revista Atlántica. Disponível em: https://www.revistaatlantica.com/en/blanca-de-la-torre-2/

[2] Excerto retirado do comunicado de imprensa – SOS. Salvai as nossas almas

Laurinda Marques (Portimão, 1996) é licenciada em Arte Multimédia - Audiovisuais pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estagiou na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa onde colaborou com o projeto TRAÇA na digitalização de filmes de família em formato de película. Recentemente terminou a Pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do coletivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.

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