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Gallery Weekend Berlin 2022

A Gallery Weekend de Berlim deste ano, que decorreu entre os dias 29 de abril e 1 de maio, deu de novo lugar a um misto de artistas emergentes e estabelecidos, juntando, como é hábito, cerca de 50 galerias numa organização comum. Entre inaugurações e críticas, o melhor elogio que podemos fazer é apontar o facto de o evento conseguir continuar a promover uma plataforma de diálogo e diversidade.

Uma vez mais, entre acasos e planos, foi possível ver de tudo um pouco, desde pequenas galerias mais afastadas dos roteiros ou mesmo espaços não galerísticos a inaugurar exposições durante o fim-de-semana, tirando assim proveito da afluência do evento mesmo não sendo promovidos pela organização, a galerias, como a Carlier Gebauer, que recuperaram trabalhos apresentados há pouco tempo apenas para reabrir nesta ocasião.

O formato, que promove os participantes através de um mapa, é certamente um dos fatores que mais fomenta as coincidências. Pelo lado cartográfico, que pede visitas em registo de roteiro, é difícil não ser levado a espaços que, mesmo que não estejam abertos no contexto do evento ou até no mapa, acabam por lhe ficar associados porque por lá passamos ou entrarmos aleatoriamente, parecendo em muitos casos procurarem estabelecer diálogos ou ligações.

De uma forma ou de outra, a Gallery Weekend tem a virtude de fazer aparecer numa espécie de coincidência ensaiada uma série de afinidades e preocupações comuns, mas também de dar ver numa paisagem heterogénea lugares que se abrem apenas durante a semana. Ensaiada porque, mesmo sem linha temática, há o contexto do evento a unir todos os espaços que, por alguma das razões acima enunciadas, acabam por lhe ser associados. Heterogénea porque reúne uma série de posições que aí se confundem, mas que correspondem a realidades distantes e a abordagens diferentes ao panorama artístico e, em particular, ao mercado da arte.

Mesmo que seja difícil definir a que é que corresponde a combinação desses dois elementos por culpa da escala e da própria génese do evento – sem um tema comum apesar conjunta – a verdade é que, talvez pelo facto de as experiências individuais serem postas em roteiro, a Gallery Weekend parece aproximar muitos dos espaços numa ideia de acontecimento, de preocupação.

Na Klemm’s, por exemplo, falava-se de meta-pontilhismo a propósito das várias fotografias que Adrian Sauer aí apresentava, trabalhadas pixel a pixel até à exaustão através de desenho digital, assim como do painel composto pelas 256 tonalidades possíveis entre o branco e o preto que as acompanhava. A discussão não seria certamente estranha a Grey Crawford, invocado numa individual no Persons Project, uns quilómetros mais a oeste, onde a ênfase era dada à forma como na manipulação da fotografia através da composição e da sobre-composição o espaço é afastado do referente inicial através de um processo de desnaturalização.

Da mesma forma, poderíamos falar das afinidades entre Colleen Harden, Filip Kostic, Yein Lee, Andrew Rutherdale e Jonas Schoeneberg, que na Galeria Scherben exploravam o domínio do sintético por oposição ao orgânico através de uma série de aparelhos automáticos disfuncionais e redundantes. E também das afinidades que isso poderia ter com at dawn, exposição coletiva na Colecção Julia Stoschek, também inaugurada neste contexto e que esboça uma proposta de contra-poetização,funcionando como espaço de reunião de uma série de enclaves espirituais, psicológicos e físicos, utilizando o horizonte utópico da arte para estabelecer uma ligação entre as noções de celebração, força, singularidade e saber.

A preocupação comum é talvez mais visível se pensarmos, contudo, a ocasião do ponto de vista da heterogeneidade. Nesse sentido, é importante não esquecer que o contexto da Gallery Weekend é um contexto predominantemente galerístico e, como tal, com um propósito parcialmente comercial, da qual fazem parte projetos de diferentes amplitudes e que, por isso mesmo, têm espaços de manobra diferentes para tomar decisões programáticas e curatoriais.

Ao contrário do formato de stand das feiras de artes convencionais, a Gallery Weekend pauta-se pela ideia de abrir as portas não só das galerias, mas também da própria cidade, arrastando uma série de espaços e agentes que não fazem parte do mercado. É, por outras palavras, um evento que torna visível não só o trabalho comercial, mas que também o põe em diálogo como uma série de iniciativas antagónicas.

A que conclusão permite chegar, afinal, essa amálgama de propostas diferentes, de discursos com diferentes objetivos e intenções? Aqui poderíamos talvez pensar em casos de artistas que surgem em mais do que um espaço, como Joan Jonas. Parte também de at dawn, e com direito a uma individual na Heidi, em Schöneberg, é um caso particularmente ilustrativo da heterogeneidade de que se fala. Se, na coletiva, o trabalho de Jonas aparece como elemento integrado numa posição quase-manifesto, na Galeria Heidi a intenção de revisitar adquire maior protagonismo, estando o foco na artista e no balanço do seu trabalho resumido numa instalação.

Entre os dois espaços, entre as duas exposições, parece haver um mundo de distância. Um mundo que se permite discutir na mesma ocasião. É afinal dessa confusão que se faz este mapa. No fundo, perguntamos: a que é que corresponde, afinal, a visibilidade?

Guilherme Vilhena Martins (1996, Lisboa; vive em Berlim) é escritor e curador. É licenciado em Filosofia pela Universidade NOVA de Lisboa e atualmente está a terminar um mestrado em Filosofia na Freie Universität Berlin. O seu trabalho literário consiste em dois livros - 'Háptica' (douda correria, 2020), 'Voz/ Estudo de Som' (edição de autor, 2022) - e textos, crónicas e críticas escritas para diversos projetos editoriais em português e inglês, entre os quais a Umbigo ou a Frieze. Geriu e editou também 'Alcazar', um projeto literário interdisciplinar que reuniu escritores e artistas visuais em torno da ideia de uma escrita transdisciplinar coletiva. Além disso, curou várias exposições em Portugal e na Alemanha e é um dos co-fundadores do projeto EGEU, iniciado em 2019 em Lisboa. Tanto a nível literário como curatorial, Vilhena Martins procura utilizar a prática artística como ferramenta crítica e forma de discussão. Tematicamente, o seu trabalho foca-se nas noções de resíduo, preenchimento e desejo, bem como nas suas diferentes instâncias, nomeadamente o fenómeno do turismo.

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