Top

Entrevista a Vasco Vidigal sobre a associação Artadentro

É na zona antiga da cidade de Faro, passando pelo Arco da Vila, que passos adiante encontro o local onde está sediada a associação Artadentro, no número sete da Rua Rasquinho. Recebe-me Vasco Vidigal, um dos seus fundadores. Ao entrar, sinto-me abraçada pelas pinturas que envolvem o espaço, embebidas por uma suave luz quente, que anuncia o fim de uma chuvosa tarde de Abril. Paisagem sonora: Tilt, de Scott Walker.

Patrícia Serrão – Será que se pode falar da Artadentro sem mencionar o Vasco Vidigal?

Vasco Vidigal – Não. Mas também não se poderá falar da Artadentro sem mencionar a Ana André e o Manuel Rodrigues.

PS – Frequentaste o curso de Iniciação às Artes Plásticas na SNBA e o programa completo de estudos do Ar.Co, que concluiste em 1997. O que te motivou a vir para o Algarve?

VV – Eu e a Ana André, por volta de 98/99, vivíamos em Lisboa e sentíamos a necessidade de mudança. Em Lisboa as condições que tínhamos para trabalhar nesta área eram inferiores às que dispúnhamos em Faro.

PS – Como é que sentiste a região a nível cultural, mais propriamente a cidade de Faro, quando chegaste?

VV– Em Faro havia a Galeria Municipal Trem programada pelo Manuel Baptista com exposições muito interessantes, mas que, em 2002, com a dispensa do Manuel Baptista, passou a ser programada por ordem de inscrição e perdeu toda a relevância artística. Havia o Centro Cultural de Almancil, o Palácio da Galeria em Tavira e o LAC, em Lagos.
Os artistas que por aqui residiam eram o Manuel Baptista, o René Bértholo, o Costa Pinheiro, o Xana e o Otto Mühlcom a sua comunidade em Moncarapacho. De resto, havia algum teatro, alguma música, ainda não havia curso universitário de artes visuais, mas tínhamos a Escola Secundária Tomás Cabreira cujos alunos visitavam as nossas exposições por incentivo dos professores, sobretudo da Cidália de Brito.

PS – Só em 2007 se constituem como associação, mas programam desde 2003. Como tem sido o percurso da Artadentro?

VV – De facto, a Artadentro inicia a sua actividade em Julho de 2003 como projecto informal, com uma residência do Thierry Simões e da Mariana Ramos, seguida em Setembro da primeira exposição Desenho do Manuel Baptista. No entanto, havia já um trabalho de pesquisa e preparação que nos levou um bom par de anos. Nesta primeira fase, apresentámos no nosso espaço em Faro, vinte e seis exposições com a participação de trinta artistas e, a convite da associação AAPAAA, participámos na Faro Capital Nacional da Cultura 2005 com a colectiva TRACTOR, que incluía um programa de conferências, música e performances, onde tivemos a participação da Ana Borralho & João Galante, artistas muito importantes para a Artadentro, não apenas devido à qualidade do seu trabalho, mas também pela generosidade e assiduidade com que estiveram presentes até agora.

Em 2007, constatando a impossibilidade de continuarmos o projecto sem apoio financeiro externo, constituímo-nos como associação cultural sem fins lucrativos. Desde aí até hoje, foram mais 48 exposições individuais e colectivas, incluindo diversos projectos com entidades nacionais e estrangeiras, públicas e privadas, com a participação de cerca de cento e vinte artistas e numerosas outras colaborações, nomeadamente de autores que escreveram sobre as mostras.

PS – Desenvolveram também trabalho de natureza efémera, como é o caso de Radiação, um projecto de radio-arte. Como surge essa ideia?

VV– A possibilidade de trabalhar com som, enquanto autor visual sem qualquer conhecimento musical, surgiu quando nos anos 90, o Miguel Azguime levou ao Ar.Co um programa informático que permitia visualizar e manipular som enquanto imagem gráfica, com a imediata e correspondente alteração do que se ouvia. Era como pintar com som. Depois, já em 2010, em colaboração com a RUA FM, uma rádio universitária não comercial, foi possível organizar a edição zero da Radiação, a primeira de radio-arte no Algarve, de que se fizeram quatro edições e uma participação na cadeia internacional Radia em colaboração com a Rádio Zero.

PS – Como foi, para a Artadentro, lidar com a questão da pandemia?

VV – Foi complicado. Tivemos de adiar exposições e prolongar ciclos de arte contemporânea que realizávamos em colaboração com o Museu Municipal de Faro, com as inerentes dificuldades financeiras e transtornos para os artistas, como aconteceu logo no início da pandemia, com o adiamento da exposição Passeio, do pintor João Queiroz, na véspera da inauguração.

PS – Consideras que a falta de apoio por parte de órgãos municipais seja por falta de desconhecimento em relação à área cultural?

VV – Não é apenas um problema municipal. É também a nível nacional. É um problema da sociedade portuguesa em geral. Não é que não haja algum dinheiro para a cultura, não há é para a arte. Naturalmente que a nível municipal, além da geral insuficiência na formação cultural dos políticos, raras serão as autarquias com pessoal especializado nas áreas artísticas e sobretudo em arte contemporânea.

PS – O que tem a Artadentro programado para breve?

VV – Infelizmente, embora com os nossos quase dezanove anos de trabalho, já não seja possível escrever a história da arte no início do século XXI em Faro e no Algarve sem referir a Artadentro, ainda não nos são facultadas condições que nos permitam programar a nossa actividade com o tempo necessário. Estamos muito dependentes de apoios financeiros, sobretudo municipais e, portanto, da boa vontade, esclarecimento e competência dos políticos. Neste momento, além da nossa primeira edição de poesia, Σrata do Manuel Rodrigues, o que temos são ideias, objectivos e a vontade de perseverar e aproveitar as oportunidades que surjam.

Autor explorando as manifestações da função poética. Formação em Artes Visuais pela Universidade do Algarve em 2018. Algarve, 1987.

Subscreva a nossa newsletter!


Aceito a Política de Privacidade

Assine a Umbigo

4 números > €34

(portes incluídos para Portugal)