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Philip Beesley – de rerum naturae ou a evocação de possibilidades

“I couldn’t live without the radiant dawn, and the flood of brilliant colours around the setting sun…”

Philip Beesley[1]

 

Arquiteto e artista interdisciplinar, Beesley tem desenvolvido muito do seu trabalho em colaboração com artistas de diferentes áreas artísticas, expandindo a sua criatividade em rede e que se materializa em grandes e complexos edifícios, instalações e esculturas.

O seu processo criativo é focado na tecnologia e inscrito numa cultura em rápida expansão de sistemas responsivos e interativos, mas inspirado num mundo orgânico e de técnicas tradicionais. Dir-se-ia que a sua metodologia é sustentada pelas possibilidades incríveis da tecnologia digital que, cada vez mais sofisticada, permite uma interligação entre a delicadeza e a leveza de estruturas e a robustez necessária a uma rápida prototipagem.  Na verdade, as suas obras têm as mesmas características da natureza: grandes superfícies em rede que repetem e interligam elementos idênticos. A proliferação de padrões evoca o processo de crescimento do mundo orgânico e, não por acaso, várias das suas obras são diretamente incorporadas na própria natureza viva, como, por exemplo, Haystack Veil[2] (1997) e Erratics Net (1998): a primeira consiste numa malha construída com cerca de 30.000 galhos cortados sobre um penhasco coberto de musgo e líquen na costa Atlântica do Maine; a segunda consiste numa rede gigante de arame na costa da Nova Escócia que ajudou a vegetação local a crescer. A prática artística de Beesley colhe e pensa com a natureza processos de organização da multiplicidade que, a nosso ver, evoca o rizoma de Deleuze e Guattari[3], ou seja, o processo de ligação da multiplicidade por ela mesma. E este é um processo que se abre e move em todas as direções e para outras experimentações, pulsante, que cresce onde há espaço, que floresce onde encontra possibilidades, que cria o seu ambiente.

Estas obras utilizam ainda os geotêxteis, materiais usados em setores tão diversos e antagónicos como o da construção civil e o da horticultura, o que faz sobressair a importância de uma relação harmoniosa entre a natureza e a criação humana e fortalecem as condições emocionais de receção na compreensão e usufruto da arte. O natural, o humano, o sintético, o tecnológico, coexistem e contaminam-se para diluir fronteiras materiais e psicológicas, e que estimulam a criação transdisciplinar, seja com artesãos, biólogos, técnicos, designers ou músicos. Colaborações com Iris Van Harpen e Salvador Breed, entre outras, exploram as possibilidades escultóricas profundamente imersivas que resultam de um trabalho de investigação entre arte, ciência e tecnologia.

A investigação contínua de Beesley na área de arquitetura e uma prática centrada na dimensão orgânica das suas obras, granjeou-lhe um lugar pioneiro na criação de uma arquitetura e esculturas vivas e funcionais, implicando muito mais do que uma interação com o indivíduo. A investigação do artista é bem mais profunda e complexa, já que a dimensão viva da sua arquitetura pretende abrir um caminho de possibilidades incríveis permitidas pela integração da inteligência artificial em quase todos os níveis de design, capaz de criar ambientes orgânicos profundamente interativos.

Grove (apresentada na 17ª Exposição Internacional de Arquitetura – La Biennale de Venezia) combina arquitetura, música e cinematografia e cria um ambiente que oscila entre o real e o virtual e levanta questões conceptuais e estruturais que são intrínsecas à arquitetura, como a da sustentabilidade de uma construção coerente, forte e resiliente, capaz de autorrenovação, mas baseada em formas naturais e dissipativas. A transferência de sistemas naturais complexos e interdependentes para estruturas e ambientes físicos e virtuais antecipa um futuro onde o corpóreo e o mental se fundem com o espaço físico e virtual e uma verdadeira imersão acontece, porque este não é um mundo meramente físico, mas um multiverso em constante metamorfose, onde não existem territórios estanques ou fechados.

A instalação consiste num dossel ondulante e alto de nuvens luminosas incrustadas com bolas de vidro cheias de líquido a pairarem sobre uma tela em forma de piscina, onde é projetado um filme, circundada por uma floresta de colunas, que criam um ambiente espacial (sistema multicanal). O filme e a paisagem sonora recriam uma experiência de “arquitetura viva”, em que as geometrias intrincadas do filme transitam de minerais cristalinos inertes para formas de vida emergentes, um processo de metamorfose constante, de inércia e movimento, de morte e vida, que segue o ciclo orgânico da natureza que se regenera constantemente do fragmento e do caos. Este é uma instalação que resultou do trabalho colaborativo com Warren du Preez, Nick Thorton Jones (filme) e Salvador Breed (som).

Para Beesley a arquitetura do futuro desenvolve-se em comunhão com a flora, fauna, mas também com a matéria inerte existente na própria natureza. Durante séculos, as cidades circundavam-se de muros que se julgavam protetores, mas que criavam uma divisão e tensão com o mundo natural ao qual pertencemos, alimentando uma construção delimitada e rígida e em conflito permanente, ao invés de inspirar um mundo mais aberto e inclusivo, onde corpos e espíritos se podem transformar e regenerar e com qualidades profundamente curativas. Neste sentido, podemos dizer que a obra de Beesley expressa uma visão holística em que todas as coisas estão interligadas e, como tal, as suas características são ontologicamente dependentes dessa interligação.

Quando questionado sobre a filosofia que subjaz à sua arquitetura, o próprio artista explicita que a mesma se baseia no conceito de que os edifícios modernos incluem sistemas cada vez mais complexos, em que os componentes físicos atuam como andaimes flexíveis e responsivos, criando uma estrutura inteligente e interativa que se torna também tangível, ou seja, desenvolve-se uma “consciência tangível” que permitirá lançar uma nova luz sobre os materiais e a sua envolvência. Os requisitos para construir um edifício são, por isso, os mesmos que dão origem à vida: a conexão entre estruturas interativas, a troca de informação e uma espécie de metabolismo – a arquitetura ganha vida.

Uma das colaborações mais profícuas com outros artistas, tem sido aquela que Beesley mantém com a designer Iris Van Harpen, que trabalha com materiais têxteis 3D e design responsivo no mundo da alta costura, e que está focada na possibilidade de dar forma física ao intangível, como a vulnerabilidade, feminilidade ou sensualidade. A primeira colaboração concretizou-se na sua coleção Voltage (2013), para a qual foram desenvolvidos tecidos 3-D que possibilitaram dar forma ao conceito de vestuário que respondia ao movimento do corpo através de vibração dinâmica. Tecnologia e trabalho manual, ciência e arte, caos e beleza, performance e natureza, forma e conceito complementam-se e dão consistência ao processo criativo e colaborativo entre os dois artistas. Em 2018, a colaboração em Dome Dress, permitiu criar uma interligação entre a exposição de Beesley (Transforming Space) e a exposição de Van Harpen (Transforming Fashion), que aconteceu no Museu Real de Ontário. O vestido da designer está integrado na instalação de Beesley – Aegis – e inspira-se na ideia de comunicar a materialidade através do ar e resulta do fascínio que ambos sentem pelos materiais e estruturas e como o constante processo criativo de experimentação implica necessariamente um novo pensamento sobre arte, tecnologia e natureza.

A floresta encantatória e imersiva de Aegis é ainda um ambiente interativo proporcionado por mecanismos responsivos e microprocessadores incorporados numa estrutura de malha levíssima e suspensa, impressa em 3-D, e que respira, altera-se e aprende com a intervenção das pessoas que a visitam. O ambiente que flutua em redor do vestido e dos visitantes evoca a fluidez do mundo etéreo e transcendental, mas que se concretiza, efetivamente, numa realidade material e resiliente, através de um processo de reificação permitido pela tecnologia.

Por tudo isto, a arquitetura viva e experimental de Beesley explora os fenómenos subtis e os limites, em constante mudança, da tecnologia atual para uma natureza e arte mais expansivas.

 

 

[1]“Philip Beesley, the divine technology”, entrevista a Philip Beesley por Lidia Ratoi. Clot Magazine, 08 fev. 2020. PHILIP BEESLEY, The Divine Technology | CLOT Magazine

[2] Obra realizada em colaboração com Warren Seiling.

[3] Deleuze, Gilles e Guattari, Félix. Mille Plateaux. Paris: Éditions du Minuit, 1980.

Ana Barroso é investigadora no CEAUL/Ulices, universidade de Lisboa. Tem publicado vários artigos sobre as relações entre cinema, arte e literatura em revistas e livros nacionais e internacionais. Tem também desenvolvido um trabalho como artista audiovisual e os seus trabalhos foram exibidos em museus, galerias de arte, festivais de cinema e vídeo e fachadas de prédios em muitos países por todo o mundo.

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