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Besta – na Galeria 111

O primeiro contacto com a obra exposta na Galeria 111, Besta, faz-se por meio das peças de Rui Chafes. Numa exposição que conta também com a participação, dos artistas Pedro A. H. Paixão, Alexandre Conefrey e Rui Moreira.

Cerca de uma dezena de negras forcas, instalação Lição de História, encontram-se suspensas no teto, com os laços abertos imediatamente abaixo do rosto da maioria de nós. Um desconforto instala-se. Dada a conotação destes objetos, o que representam, e a sua proximidade com o nosso corpo.

Como bocas abertas, oferecem a sua hospitalidade, e preparam-nos para um encontro com o abismo. Sabemos que são recantos que nos sugerem o horror, e nos enleiam na perspetiva de uma chacina, ou de um simulacro do terror, num campo preparado para o que poderia ser uma execução em massa.

Temos, depois, com as obras dos restantes artistas, cenários de guerra a rodear esta instalação crua, reta, executória, irrefutável. Seremos nós os próximos? O que pretende transmitir o curador? Em redor desta disposição disciplinada intuímos o caos, a guerra, a intolerância. Não podemos, dada a conjuntura, dissociarmos do que realmente se passa no mundo. É impossível. As ligações são inevitáveis.

Numa só exposição capto, intenção dos artistas ou não, um vir a lume de questões que estão longe de encontrar resolução.

Prefiguro reflexões sobre relações humanas, questões de alteridade, questões raciais, conflitos entre nações, aspetos ligados a minorias, catástrofes naturais. É como se as diferentes obras estabelecessem uma relação entre si, mas por meio de temas sociais e históricos que evocam.

O centro aglutinador, o ponto gravitacional da exposição parece situar-se na obra de Rui Chafes. Nele intuo um acontecimento que poderia ter-se prefigurado no passado, ou um acontecimento que ainda estará por vir, uma premonição, um prenúncio de um perigo. As pecas suspensas parecem aguardar por nós, há muito. Convocam um sentimento de passado, assim como de “presságios”. As obras de Chafes, são feitas de espera, como nos diria Filomena Molder.

Os desenhos de Rui Moreira dialogam com esta peça central e com as obras de Pedro A. H. Paixão, bem como com os desenhos de Alexandre Conefrey. É como se gravitassem em torno de um fim inexorável. Como um doentio vórtice que nos dirige a um tenebroso precipício, sem escapatória possível.

Os desenhos de Moreira estão impregnados de farpas de vida. O artista trabalha tanto no interior como no exterior da sua galeria. Para ele é mais importante aproximar-se do quotidiano do que ficar isolado na galeria e fugir dessa realidade, como um artista que se refugia num mundo à parte, e que anula a vida.

Pedro A. H. Paixão exalta o retrato, investe nesta forma de desenho, justamente para anular uma tendência que teima em persistir, a sua quase inexistência enquanto prática do desenho.

Também Pedro A. H. Paixão faz uso de um realismo para enfatizar a fragilidade nas questões ligadas ao colonialismo, desníveis sociais, e problemáticas raciais, que, infelizmente ainda persistem.

Os desenhos são de um meticuloso tratamento, quase crepuscular. Como se, embora controlado, o desenho nos transportasse para um estado de polarização, de dispersão. Uma poeira que, difusa, nos reportasse para um olhar atordoado, ou para um sonho que nos conduzisse a um estado de dormência (ou deleite), que não nos deixasse ver com clareza ou discernimento, a dura e crua realidade, em desequilíbrio, e que delonga em harmonizar-se. Por outro lado, também pode representar um passado que tende a suavizar os acontecimentos dolorosos, ou a sublimá-los, recorrendo a novas histórias a fim de possibilitar suportar as memórias dolorosas.

Seja como for, os desenhos retrato de Pedro A. H. Paixão tornam evidente o diálogo, coerente, estabelecido com as outras obras presentes na exposição. Colocam a nu as desigualdades e a violência dos vários mundos que habitam este planeta, reforçados pelo vigor, o dramatismo, presente nos traços coloridos dos desenhos de Alexandre Conefrey.

A exposição, Besta está patente na Galeria 111 até 21 de maio.

Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador. (fotografia: Eurico Lino Vale)

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