Tracing the Infrathin na galeria Monitor
Infrathin é um conceito cunhado por Marcel Duchamp no qual se expõe, fundamentalmente, um intervalo, um instante que separa a inércia da mudança. Conceito irónico, exageradamente preciso ou não, quem sabe (ainda mais para alguém que sempre procurou escapar a definições), o que é certo é que tem servido de mote para muita exploração formal e intelectual, de que é exemplo Tracing the Infrathin, a mais recente exposição da galeria Monitor.
Aqui expõem-se sete obras de sete artistas que, na sua impossibilidade de união – pela diversidade de meios formais, cada peça parece pertencer a um mundo fechado, quase indialogável com as restantes – juntam-se por esse sentido de escape que Duchamp tenta capturar. Remetem a contradições, faltas, presságios, tensões como a que José Taborda literalmente nos mostra em Delay, onde uma faca está prestes a cortar um cordel que segura uma moldura, mostrando-nos uma fotografia do resultado possível desse ato fatal. O cordel é um dos elos mais diretos e pertinentes nesta mostra: para além de Delay, expõe-se também em Notas sobre o limite do mar de Maria Laet, servindo como meio de costura através do qual a artista tenta tecer o movimento efémero das ondas do mar, e em Marianne Moorede Elisa Montessori, preso a um livro como um marcador, onde a artista ilustra o texto da poetisa americana. O cordel que é um elo de força, ligação, enlace, mas também um objeto marginal, liminar, cuja resistência permite salvar – passar do abismo à superfície e deixar-nos existir nesse intervalo.
Os destaques da mostra, para além de Delay, irão para outras duas obras: En.Talho de Eduardo Freitas, exposta logo ao fundo da primeira sala, onde vemos uma vitrine de carne que bem poderia, a uma primeira vista, fazer confundir a galeria com um talho, à exceção das peças serem todas feitas de mármore e calcário. O hiper-realismo das obras desorienta-nos e leva-nos a um limite de espanto e dissociação, lembrando não só as explorações plásticas de Daniel Dewar e Grégory Gicquel, como parecendo remeter a uma tradição de cenas de género do norte da Europa, abundantes no século XVII, onde se pretendia representar vendas de carne (vejam-se as pinturas de Pieter Aertsen ou Frans Snyders) ou no seu limite fatalista, naturezas-mortas, num interesse pela simulação plena dos objetos. O outro destaque será Silurata Tra Le Mani de Thomas Braida, onde se pinta um livro retorcido, duro, ondulante, do qual jorra um oceano de água e um barco se quebra sobre as mãos de uma figura humana – uma delas dormente, já azul, outra querendo apanhar algum desse mar. O afogamento é inevitável.
É de mencionar ainda a translucidez da obra sem título de Ana Catarina Teixeira, onde determinamos padrões possíveis, quase límpidos, de um casting de vidro, e a primeira obra da exposição, Self-portrait as a property do duo de artistas primeira desordem, onde se mostram a frente e verso de três chaves, as suas letras e inscrições, e o modo como através da sua categoria de objeto detido por alguém, podem traçar um esboço dessa pessoa ao serem sua propriedade. As chaves expõem algumas letras, quase aleatórias que, na verdade, se encontram quase cripticamente escondidas, invisíveis na maioria das chaves. Sei-o porque, na infância, brincava na escola a um jogo onde tentava encontrar no fecho de mochilas, casacos, chaves, essas letras, e com elas construir palavras e frases. Na impossibilidade de encontrar as letras que me davam jeito, tentava ver até onde poderia ir com o que tinha. No fundo, também jogava com a falta. É algures numa parecida ininteligibilidade, sempre determinante (se quisermos o Infrathin), que se encontra a linguagem secreta da arte.
Tracing the Infrathin está em exposição na galeria Monitor até ao dia 21 de maio.