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Just Believe. – Elisa Azevedo, Fábio Colaço, Isabel Cordovil e Pedro Henriques na UMA LULIK

Just Believe. é uma exposição simétrica. No espaço quadrado da galeria Uma Lulik mostram-se 12 obras de 4 artistas, 3 para cada um. De acordo com a folha de sala, “as coincidências ou pontos de contacto entre elas poderá ser considerado como que circunstancial”. Assume-se como uma mostra honesta, sem grandes pretensões para além da divulgação dos trabalhos de quatro jovens artistas: Elisa Azevedo, Fábio Colaço, Isabel Cordovil e Pedro Henriques.

De entre as possibilidades de temas unificadores, o mais concreto será a intimidade, sugerido, inclusivamente, pelo pequeno espaço da galeria. Primeiro, o nosso olhar irá ser levado para um conjunto de 3 obras, dispostas em triângulo: There won’t be any miracles for us de Isabel Cordovil, Untitled (debt) de Fábio Colaço e Sem Título (Body to Body) de Elisa Azevedo. As três obras parecem anunciar uma falta, a espera por uma revelação que nunca acontece. Na primeira, vemos uma fotografia de dois testes de gravidez negativos; na segunda, uma mão branca, aberta, com um buraco incrustado na palma, à espera que se concretize a sua vontade; na última, a sombra de uma silhueta sobre tecido, escapando à moldura. O segredo que escondem tem algo de irónico: ainda que crípticas, sugestivas, a postura é direta, confrontativa, desencadeando humor no imprevisto.

Das três obras mencionadas, será a de Elisa Azevedo a que mais parece escapar a essa dinâmica, a sua atmosfera sugestiva, simbólica cruza-se com o desembaraço mínimo das restantes obras de Isabel Cordovil, ecoando idealizações e desilusões, proximidades extemporâneas cruzadas em visões que agarram para não deixar fugir – ambas desencadeiam representações quase privadas, confidentes. Os trabalhos destas duas artistas, aqui dispostos, parecem quase pertencer a um mesmo universo, jogando constantemente com dinâmicas de segredo, proibição e emancipação. Por exemplo, Natalia on a Sunday morning at age 21, deitada numa banheira, olhando para nós, poderia ser a mesma pessoa de quem vemos a silhueta em Sem Título (Body to Body). A fotografia de There won’t be any miracles for us encerra também o mesmo foco, vontade de apreensão na captação branca, total, do objeto, que as Flesh Flowers de Elisa, onde se sugere um ambiente sexual, íntimo em 2 fotografias: por um lado, lençóis cavados em flor, por outro, os baraços negros, pendidos, de uma peça fetichista. Esses cordões farão ainda uma ligação à obra que se dispõe a seu lado, a delicadamente irónica Two Helmets in the position of Rodin’s Le Baiser, onde através de uma referência a uma escultura que a antecede quase dois séculos, se posicionam dois capacetes capturando o vazio – aqui enunciador do que não vemos, mas sabemos, um beijo.

Este sentido de absurdo será um bom ponto de transição para os trabalhos de Pedro Henriques e Fábio Colaço. No lirismo das 3 obras que aqui se dispõem, estruturas densas, compostas por camadas nitidamente inferidas, incubadoras de processos, Pedro Henriques insere-lhes botões (no sentido funcional, como interruptores). Em Cara Longa talvez, das dispostas, a sua obra de digestão mais imediata, vemos a palma escura de uma mão, sombria, soturna, cuja atmosfera é negada pela disposição de botões de arcade que lhe parecem denunciar uma qualquer funcionalidade impossível, conduzindo-nos até ao sentido semântico desse interruptor, objeto que suspende a passagem de uma corrente elétrica. Nas silhuetas abstratas, aquosas de Fonte e Elefante, esta dinâmica torna-se ainda mais acentuada, desencadeando um cada vez maior número de sentidos que se contradizem entre si, seja a relação da forma com o título, como a textura ou a sua suposta funcionalidade. São obras conscientes da impossibilidade da sua captura.

Já em Fábio Colaço, para além da primeira mão, já mencionada, temos outra no canto oposto deste quadrado, agora enunciando a forma de O ou 0, nada. O humor que carrega é algo cínico, reside no despropósito da hiper-realidade que convoca, empregue numa intenção tão mínima e inesperada, que se torna irónica. A sua última obra está no centro da galeria e é a atual Just Believe, uma pintura branca com estas duas palavras, dispostas como um caption de um meme que ao não enunciar nada (ou tudo?) torna qualquer coisa possível, basta acreditarmos. Ainda que esta obra, através da ambiguidade e abertura das suas relações, concretize bem a despretensão da exposição, deixou-me também a pensar. A exposição quer que vejamos a imagem de uma geração jovem, futura, capaz de operar entre barreiras incongruentes de modo a definir a sua originalidade, de unir relações ambíguas, intimidade e ironia – polos opostos, mas essenciais numa vida submersa em dimensões digitais. Esta Just Believe de Fábio Colaço joga com mais uma união desses (a)parentes opostos, a transformação do meme em pintura. Mas que transformação é esta? Uma dissociação irónica, quebradora de contextos? Ou um testemunho da prisão do mundo da arte à figura do artista, incapaz de albergar e acompanhar essa expressão quotidiana, acessível, efetivamente democrática que é o meme, provavelmente, pela sua ainda indescoberta capacidade de comercialização física?

Há questões com que saímos e permanecem em aberto, necessárias ao falarmos do futuro da arte, tal como aqui em que, de qualquer modo, vimos uma honesta e competente exposição: não cumpriu mais do que prometeu. Um gesto mínimo.

Just Believe. está patente na galeria Uma Lulik até 30 de abril.

Miguel Pinto (Lisboa, 2000) frequentou a licenciatura em História da Arte pela NOVA/FCSH, através da qual veio a realizar um estágio no Museu Nacional do Azulejo. Participou no projeto de investigação VESTE – Vestir a corte: traje, género e identidade(s), alojado pelo Centro de Humanidades da mesma instituição. Criou e gere o projeto a Parte da Arte, que pretende divulgar e investigar o panorama artístico em Portugal através de vídeo-ensaios explicativos.

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