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Not to Scale – de Ant Hampton e Tim Echells na Brotéria

Not to Scale é um espetáculo de autoteatro que pode ser visto como arte participativa. Os participantes formam duplas partilhando experiências e processos de apagamento e escuta. A voz que narra em cima das várias paisagens e elementos sonoros é o fio condutor deste projeto. Usando lápis e papel, aquilo que se desenha vai ganhando vida na nossa imaginação. Segundo as palavras dos artistas, ganham “vida numa cómica e inquietante narrativa que joga constantemente com a tensão entre criação e destruição, vida e morte, energia e entropia.” Not to Scale estreou a nível nacional dia 29 de março na Brotéria, Lisboa, e no Teatro Viriato, Viseu.

A premissa conceptual de Ant Hampton e Tim Echells vai de encontro ao modo como nos habituamos a consumir cultura. O consumo de cultura não é assim tão diferente do consumo de outros meios imateriais. As estatísticas que visam avaliar a satisfação do consumidor numa determinada área de mercado, servem para desenvolver um objeto que corresponde a todas as expectativas e necessidades de quem consume. O mercado da arte e do entretenimento funcionam com esta mesmíssima premissa, criando ou tendo em conta múltiplas variáveis que vão desde modas, tendências, circunstâncias sociais e políticas. A raridade, exclusividade e irreprodutibilidade são qualidades muito apreciadas por estes mercados, são essenciais para o modo como se vende e compra arte ou para o modo como se consome entretenimento. Não obstante, são também um elemento diferenciador face às lógicas dominantes do mercado, o perfil-tipo de quem consume não é desenhado da mesma maneira: no mercado da arte e do entretenimento as variáveis mudam a um ritmo muito acelerado.

Not to Scale, coloca o fazer da obra no espectador passando este a ser participante. Ele é de facto o realizador da obra, a obra não acontece sem a sua ação. Não são novidade espetáculos e obras de arte onde a presença do espectador é crucial para a sua conclusão. São muitos os casos de arte participativa ou colaborativa que precisam do elemento externo para se realizarem. Este projeto, no meu ponto de vista, parte da mesma vontade de democratização da arte sem cair em soluções muitas vezes confusas deste tipo de abordagem. Neste espetáculo não há nenhum aproveitamento intelectual por parte dos artistas. É claro desde o início que estamos a seguir uma narrativa e que a nossa imaginação está ao serviço do conceito da obra. A relação que estabelecemos com o objeto artístico é desafiadora e estimulante. Por vários momentos senti-me completamente dentro daquela folha de papel e da história que estava a ser criada. O imaginário desta peça nasce à medida que executamos cada tarefa. Apesar de estarmos relativamente reservados na realização da peça, há um aspeto desafiador que pode para muitas pessoas (como é para mim) intimidante: desenhar. Para quem não gosta de desenhar, para quem nunca desenhou, ou para quem já desenhou muito, mas não desenha há anos, desenhar pode ser algo horroroso. A frustração de ver nascer um desenho que se esbarra completamente na sua representação é enorme. Ant Hampton e Tim Echells recuperam uma atividade que nos traz a nostalgia da infância. O minimalismo deste projeto relembra-nos que não precisamos de uma enxurrada de estímulos visuais e auditivos para imaginar ou criar alguma coisa.

Not to Scale, está patente na Brotéria até ao dia 6 de abril de 2022.

Rodrigo Fonseca (1995, Sintra). Estudou na António Arroio, é licenciado em História da Arte e mestre em Artes Cénicas pela FCSH/UNL. Foi cofundador da editora CusCus Discus e do festival Dia Aberto às Artes. Além da Revista Umbigo, faz crítica musical na plataforma Rimas e Batidas. É técnico de som especializado em concertos e espectáculos e artista residente da associação cultural DARC.

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