We are synchronized, now and forever: Lovers na Zaratan – Arte Contemporânea
Amor. A nova exposição da Zaratan é sobre amor e teve como ponto de partida uma carta escrita pelo artista Félix González-Torres ao seu amante Ross Laycock em 1988. Lovers é o título da mostra que reúne Bárbara Bulhão e Fábio Colaço, Fernando J. Ribeiro, Francisco Menezes, Isabel Cordovil, João Campolargo Teixeira e Marcos Duvágo para pensar o amor e a intimidade.
Testemunhar um eclipse total solar pode ser uma das mais sublimes visões que o ser humano pode vivenciar. Tanto tem de sublime como teve de assustador para aqueles que o sentiram no passado pré-científico. Bárbara Bulhão e Fábio Colaço, artistas e curadores de Lovers, iniciam a exposição com a obra Eclipse (2022), composta por duas fotografias de pequeno formato que parecem ser feitas da mesma matéria. A primeira, é a imagem de uma ecografia, a segunda, uma fotografia de um eclipse solar total tirada pela NASA. Tendo o nome da exposição em ressonância na nossa mente, olhamos para a ecografia e procuramos de imediato um sinal da existência de um embrião. Caindo na armadilha dos artistas, e existindo ou não embrião, a sensação é a de presenciarmos um mistério, como o do eclipse, como o do amor.
Isabel Cordovil intensifica o mistério da união com a obra The Matter of Togetherness (2022), uma fotografia em grande formato que capta em pormenor dois pedaços de ferro soldados entre si. A forma inicial do ferro é fria, de linhas retas e agudas possíveis de magoar. Mas, assim que o ferro sente calor, o seu corpo liquidifica-se, amolece, e a união com outro do mesmo material torna-se possível. Na génese desta obra, está as análises ao sangue que Isabel Cordovil e a sua companheira realizaram. Cordovil decidiu traduzir a percentagem de ferro existente no sangue de ambas, em ferro real (cada barra de ferro, corresponde ao ferro existente no sangue de cada uma). E, assim como estas duas barras de ferro se fundiram uma na outra, também o sangue simbólico se funde com o calor de ambas.
Por outro lado, Mutual Mutism (2017) de Francisco Menezes, fala sobre a união mais primordial que podemos sentir: o laço umbilical. A obra é composta por dois objetos, o primeiro um cinto onde um molde de umbigo feito em cera assume o lugar de fivela; o segundo, uma página de papel emoldurada onde se lê a frase “Belly Button of Eighteeth-Century Sculpture Pressed Six Times Against Paper”, descrevendo exatamente o que vemos acontecer no papel: o relevo de um umbigo (de esculturas) foi pressionado sobre a folha seis vezes. Francisco Menezes salienta nesta obra o simbólico do umbigo, que representa o elo biológico que liga uma mãe ao seu filho, expressando a relação de dependência entre uma vida e a outra.
O laço umbilical parece alastrar-se até às obras Drow Soda (2022) e Blue Sugar (2022) de Marcos Dúvago. Na primeira, uma fotografia de uma pessoa adulta em posição fetal, flutua num ambiente aquoso, aludindo à imagem de um bebé no ventre da sua mãe. “Fui pai de uma filha que não teve um nome, nem viu o real. Que não usou o corpo nem perdeu a consciência que não chegou sequer dela a se assenhorar. Que nunca Descansou numa cama senão dentro d’outra mulher (…)”, assim se inicia o poema que compõe a obra Blue Sugar (2022), que ao falar sobre uma perda reforça o carácter nostálgico e íntimo das obras apresentadas por Dúvago. Ambas têm em comum um sentimento primordial, uma ligação longínqua, mas que permanecerá connosco para sempre.
A última sala é curiosamente a mais escura, e as duas obras que nela habitam aparentam querer acentuar a dualidade entre sexo e amor. A luz deste espaço provém do néon de João Campolargo Teixeira, que utiliza a palavra para levantar a interrogação “Romance?”. A obra de Fernando J. Ribeiro é um desenho de pequeno formato altamente explícito, que mostra em close up os seios e genitais de dois corpos em união sexual. Feito a grafite, a penumbra da sala acentua ainda mais a densidade do desenho e dos seus negros, acabando por diminuir a sua visibilidade. É difícil não pensar que terá sido guiada pelo constrangimento a escolha de colocar Private #32 (2019) na sala com menos visibilidade da Zaratan, e que aqui poderá ter existido a dúvida entre designar a obra de erótica ou pornográfica.
A carta de Félix González-Torres que foi mote para esta exposição é uma bonita reflexão sobre o destino, o tempo e o amor, três conceitos inerentes às obras aqui exibidas. Em 1991 González-Torres expôs a obra Untitled (Perfect Lovers), dois relógios idênticos sincronizados com a mesma hora e que refletem sobre o inevitável fluxo do tempo. Existe a angústia na possibilidade da bateria de um deles falhar (que acabaria com a sincronia) ou, simplesmente, de ambos pararem. Em 1988, a carta de amor que González-Torres escreveu dizia:
“Don’t be afraid of the clocks, they are our time, time has been so generous to us. We imprinted time with the sweet taste of victory. We conquered fate by meeting at a certain TIME in a certain space. We are a product of the time; therefore we give back credit were it is due: time.
We are synchronized, now and forever.
I love you.”
Na etapa final da redação deste texto, tive a oportunidade de trocar mensagens com Bárbara Bulhão que, no acaso, me confessou que na ecografia da obra Eclipse (2022), realmente existe o que aqui se desconfiou. Bárbara Bulhão e Fábio Colaço vão ser pais de gémeos. Eclipse (2022) anuncia a vida, o amor e a intimidade dos artistas e curadores de Lovers, que agora mais do que nunca vão estar sincronizados para sempre.
Lovers estará patente na Zaratan – Arte Contemporânea até ao dia 14 de abril de 2022.