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Jorge Santos (1974-2022)

Quando um artista morre, o véu que pende sobre o mundo torna-se mais pesado e opaco; há um sentido que falha, um nexo que se desconecta da grande matriz da vida. Há menos um pincel a preencher o vazio, menos um lápis a riscar o desenho do mundo, menos uma borracha a apagar o supérfluo e o acessório.

Quando um artista morre, há menos uma voz que vibra… por mais inquietante que seja, por mais insuportável, incompreensível que seja. Sobram então as obras, que agora murmuram no silêncio introspetivo de quem as observa, numa presença que já só pode ser espectral, mas não menos poética ou intensa.

Jorge Santos faleceu no passado dia 24 de março inesperadamente, subitamente, quase silenciosamente. Para quem o conhecia, dir-se-ia que não condizia nada com o seu espírito garrido e aguerrido, alegre e vitorioso. Dava nas vistas, era inconfundível, e as suas gargalhadas ecoavam à distância. Uma chama fulminante, de repente, apagou-se.

Tinha um cunho distinto e os assuntos que representava denotavam um interesse particular pelo contraste entre o natural e o edificado: as silhuetas com motivos florais ou vegetalistas em muros, paredes ou janelas; o jogo de sombras; a luminosidade das cores que empregava nos seus trabalhos; aqueles momentos de deleite em que o corpo parece flutuar com os pequenos fenómenos que interrompem o olhar saturado do quotidiano; os pequenos e íntimos recantos de jardins, pátios, quintais; as paisagens urbanas, etc. Interessava-lhe a beleza das coisas. Interessava-lhe, e assumia-o de forma absolutamente despudorada, a beleza da Arte.

Quem teve o privilégio de visitar o seu atelier e observá-lo no seu exercício percebia de imediato a sua devoção para com a pintura e os motivos que desenhava. Sabia a fisionomia das plantas de cor; as trepadeiras que frequentemente representava cresciam rapidamente com a destreza da sua mão; das roseiras sabia-lhes quantos espinhos deveria representar para determinado efeito, as folhas serradas e os botões por desabrochar. Era lesto com o pincel. E trabalhava – trabalhava muito.

A sua vida era aquele atelier-casa minúsculo, condensado, pejado de obras devidamente arquivadas e organizadas. O soalho estava sarapintado de acrílicos, tintas de lino e xilogravuras, borrões de grafite e carvão. Era um lugar mágico, que generosamente partilhou com os amigos, colegas e conhecidos.

A Umbigo teve o privilégio de trabalhar com Jorge Santos em três ocasiões. Os projetos que desenvolveu para o stand da Umbigo na ARCOmadrid, para a secção Desenho apoiada pela Fundação Carmona e Costa e para a caixa comemorativa dos 18 anos da revista recordamo-los agora com pesar e compreendemos importância e responsabilidade de honrar e preservar o seu legado, que se confunde agora com o nosso.

Até sempre, Jorge.

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