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Para fora deste mundo não podemos cair: Diana Carvalho e Pedro Cabrita Paiva na Rua das Gaivotas 6

Diana Carvalho e Pedro Cabrita Paiva unem-se na Rua das Gaivotas 6 com a exposição Para fora deste mundo não podemos cair, apresentando-nos objetos escultóricos, desenhos, instalação site-specific e uma peça sonora, num ambiente que medita sobre objetos-imagens.

Na Sala Rosa da Rua das Gaivotas 6, Diana Carvalho inicia a exposição com a obra Aproximações à escrita [objetos e desenhos: modo de usar – 1] (2022), uma cadeira de metal deitada no chão e um desenho abstrato colocado no seu assento. A cadeira é constituída apenas pela sua estrutura e o desenho é feito a tinta branca sobre fundo a tinta da china. A simplicidade da estrutura da cadeira acompanha as linhas simples do desenho, e estas Aproximações à escrita vão-se multiplicar ao longo de toda a exposição. Esta sala é também habitada por uma peça sonora da artista, onde ouvimos um copo a encher e a vazar infinitamente, conferindo ao ambiente expositivo uma atmosfera húmida.

Ao lado, Pedro Cabrita Paiva reconfigura a forma de uma cadeira comum de jardim e coloca-a na parede. Utilizando apenas as costas e o assento, estes dois componentes são prolongados por um material semelhante, como que esticando este objeto num exercício quase surrealista. Os nossos olhos percorrem o seu longo corpo, e o mesmo acontece com a obra seguinte: uma escultura construída com as pernas de uma mesa de jardim de plástico toca no chão e no teto da galeria, assemelhando-se a uma coluna arquitetónica. Sem Título (2022) assume uma estrutura bastante distante da que é uma mesa, e parece transformar-se num elemento de apoio à própria arquitetura da sala. Foda-?€! (2020) é a última obra que Pedro Cabrita Paiva apresenta. O seu título espelha uma reação ao acontecimento nela ilustrado. Aqui, um sapato preto está suspenso por uma pastilha elástica agarrada à sua sola, imortalizando uma ação que todos nós já experienciámos. Parece o rasto de uma memória coletiva, sem corpo ou identidade, uma ação transformada em imagem.

O som que vamos ouvindo enquanto percorremos a sala ganha uma outra dimensão com a fotografia Um copo vazio está cheio de ar (2016), de Diana Carvalho. Esta imagem mostra um lavatório de cozinha com um copo vazio virado para baixo ainda molhado, como se captasse o segundo que sucedeu a ter sido pousado na bancada. Este copo podia habitar o mesmo lugar do som que percorre os nossos ouvidos em loop. Ao lado desta fotografia, está uma outra cadeira como a do início da exposição, mas agora de costas viradas para o interior da sala e com dois desenhos no seu corpo (um no assento e outro das costas). Os desenhos de Diana Carvalho muitas vezes parecem ser o negativo uns dos outros e tentativas de captar incansavelmente a mesma coisa ou situação. Não sabemos o que ilustram ou representam. Sabemos apenas que não são protagonistas, não existe desenho sem estrutura que o acompanhe. Para além das cadeiras, Diana Carvalho utiliza também estruturas em aço de aspeto industrial que servem de suporte para expor os desenhos. Nas suas Aproximações à escrita, fica em evidência a fragilidade do desenho em oposição à força da estrutura de ferro ou aço.

Neste universo construído por Diana Carvalho e Pedro Cabrita Paiva, as cadeiras protagonizam obras de ambos. Utilizam este objeto fora da sua função, desconstruindo e tornando-o objeto escultórico. Diana Carvalho utiliza a própria estrutura das cadeiras, retirando-lhes o assento e as costas; Pedro Cabrita Paiva utiliza um ou mais componentes de uma cadeira isoladamente. Ambos transformam o objeto cadeira em objeto-imagem. Ao retirarem-na da sua função e apresentarem-na como um quadro exposto na parede ou como um objeto escultórico, a cadeira passa a pertencer ao domínio artístico e o seu significado é reconfigurado. Não só apresentam a cadeira como objeto-imagem, como transfiguram as suas formas e estrutura, utilizando-a na sua potencialidade. De certa forma, ambos fazem uso do legado de Marcel Duchamp e da estratégia do ready-made.

Com curadoria de Tânia Marcelino, o título da exposição é uma apropriação tirada de O mal-estar na civilização (1930-1936), de Freud, parafraseando Christian Dietrich Grabbe, que em Hannibal (1835) diz: “Sim, para fora do mundo não cairemos. Simplesmente estamos nele.”

A exposição está patente na Rua das Gaivotas 6 até ao próximo dia 24 de março de 2022.

Laurinda Branquinho (Portimão, 1996) é licenciada em Arte Multimédia - Audiovisuais pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estagiou na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa onde colaborou com o projeto TRAÇA na digitalização de filmes de família em formato de película. Recentemente terminou a Pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do coletivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.

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