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Emigrantes no Espaço Escola de Mulheres

Em Emigrantes, que estreou a 24 de Fevereiro no Espaço Escola de Mulheres (Clube Estefânia), em Lisboa, somos levados numa longa viagem marcada por uma mudança radical: a estranheza de um novo referencial para a vida. O espectáculo consiste no grande desafio, tecido a partir de pequenas complexidades quotidianas, de quem tem de adaptar-se a uma outra realidade, essa que é a de quem emigra.

Acima de tudo, o que há a salientar nesta peça de teatro é a coerência das diferentes linguagens que encontramos nela. Trata-se de um muito bem conseguido exercício de complementaridade onde a música (uma hipnótica composição original de João Fragoso), as luzes, o cenário, o guarda-roupa e a representação trabalham a pari passu. O que muito nos dá a perceber sobre a direcção e as decisões de encenação de Tiago de Faria.

Mas olhemos para esta parábola desde o início, em que a actriz Alice Coelho entra em palco numa expressividade ao estilo Butoh e que, progressivamente, se vai aproximando da estética e do ritmo da banda desenhada manga (ilustrando a “visão” do Teatro Manga, que Tiago de Faria fundou). A actriz mostra-nos de forma clara e meticulosa o que significa a resistência do corpo num ambiente com as exigências do inesperado. E o inesperado esteve sempre à espreita no constante e variável jogo de luzes em palco, um trabalho cuja mestria de Paulo Neto e de Tiago de Faria deve salientar-se.

O cenário, ambiente clean e mutável, mostra-nos uma série de biombos orientais, articulados e versáteis a recriar o espaço que, aliado à destreza e à peculiar expressão da actriz em palco, contribui para levar a bom porto uma atribulada experiência interior, o desassossego por que o público tem de passar para compreender o sentido desse facto transversal à existência humana que é a migração.

A actriz enche uma grande mala, com pequenos recortes de estórias possíveis ou recordações, que viaja consigo no peso das horas, enquanto o vento se agita e o ar se enche de recortes em diferentes direcções, numa insustentável leveza que nos dá a perceber o que é a vulnerabilidade perante as circunstâncias.

Até que a bailarina Marta Almeida entra em cena e estamos naquele momento da narrativa em que é dada a conhecer uma outra linguagem corporal e afectiva, essencial ponto de viragem nesta parábola: o gesto executado como estratégia de integração e de acolhimento do outro.

A coreografia de Marta Almeida expressa uma estranheza, mas também nos fala de aproximação, ficando visível a mensagem deste projecto artístico (desenvolvido em parceria com a instituição de apoio Lisbon Project) na interacção dos corpos das duas protagonistas. Aí dá-se toda uma aprendizagem no confronto de estados de alma, emoções, afastamentos e aproximações. Estas duas personagens procuram-se e confrontam-se até se encontrarem, frustam-se até se motivarem, mostrando-nos que só na relação directa entre cada pessoa é que é possível a integração. Este corpo-a-corpo do Teatro Físico, que partiu da obra gráfica de Shaun Tan, The Arrival, como inspiração, revelou-se um espectáculo com uma forte mensagem visual e ética. Emigrantes esteve em cena no Espaço Escola de Mulheres de 24 a 27 de Fevereiro e voltará a estar em data ainda a revelar.

Texto de Jini Afonso.

Jini Afonso não escreve ao abrigo do AO90.

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