Chalaza: Francisco Trêpa na CABANAmad
A chalaza é designada em zoologia como a estrutura existente nos ovos de aves e répteis que permite a gema ficar suspensa; em botânica, é a região que existe no óvulo de algumas plantas. Foi a partir desta designação que Francisco Trêpa desenvolveu a série de trabalhos que agora apresenta na sua mais recente exposição individual na CABANAmad.
A primeira obra que encontramos é a peça escultórica Two Gems (2022), composta por uma estrutura de ferro que segura uma peça em porcelana. No topo desta peça, vemos uma bola de ametista submersa numa resina transparente que a imobiliza e, no seu interior, uma pequena esfera de ágata verde. Esta composição enigmática acentua-se com a nossa presença, que não sendo indiferente ao corpo da obra, faz com que esta se mova. Ao rondar Two Gems percebemos a sua fragilidade, mas também a sua firmeza, cada passo que damos à sua volta, manifesta-se no equilíbrio da obra, que oscila ligeiramente como que imitando o movimento de uma gema de ovo.
A força invisível que estabiliza Two Gems alastra-se até Colbat Ostrich Egg Tower (2022), uma torre suspensa no teto da galeria composta por treze ovos de grandes dimensões (pintados a azul) e uma réplica de ovo comum. Como o nome da obra indica, os ovos aqui representados são os de avestruz, elas que dentro das aves são as que produzem os ovos de maior dimensão. Durante a Idade do Bronze e do Ferro, os ovos de avestruz foram altamente valorizados por várias culturas mediterrâneas, onde era costume pintar e embelezá-los com marfim trabalhado[1] e, de certa forma, Trêpa recupera aqui esse ritual. Por outro lado, a imagem construída por Trêpa remete-nos também para a pintura Brera Madonna (1472) de Piero della Francesca, onde um ovo de avestruz é suspenso por um fio preso à abóbada da igreja renascentista que é fundo desta composição, composta por uma Virgem rodeada por anjos e santos, e uma criança adormecida no seu colo. A dicotomia entre força e fragilidade intensifica-se com a obra colocada logo por baixo desta torre: no chão Untitled (2022) é composta por uma caixa de ovos ocupada por seis ovos de porcelana pintados também no mesmo tom de azul colbat.
Apesar de os ovos figurarem a maior parte das obras expostas em Chalaza, Trêpa insere também uma fotografia que mostra o desenho de duas laranjas e um tomate, ambos frutos de plantas com flor que possuem a chalaza nos seus óvulos. Ainda dentro da fotografia, Egg on Egg on Tape (2022) capta um ovo comum em cima de um ovo de avestruz, ambos perfeitamente equilibrados num rolo de fita-cola que ocupa o lugar de base nesta composição. Estes dois ovos formam um único corpo e, desafiando a gravidade, mantêm-se em equilíbrio, parecem unidos por alguma coisa invisível que lhes é comum. Esta composição prolonga-se até à escultura em porcelana que finaliza a exposição, Untitled (2022) mostra dois objetos escultóricos iguais que são compostos por três ovos de diferentes dimensões empilhados em forma de torre. Esta escultura segue a linguagem de Colbat Ostrich Egg Tower mas em vez de suspensa ao teto, foi afixada perpendicularmente à parede. Quando vista de frente, os vários planos da escultura unificam e aproximam-se à imagem de uma gema de ovo. O uso da porcelana para reproduzir a forma e textura de um ovo, aproxima o objeto artificial ao natural, sabemos que as duas matérias são frágeis. Francisco Trêpa desafia a fragilidade do objeto ao suspendê-lo no teto ou na parede, criando uma tensão constante no espaço que eles ocupam e nos restantes objetos que os rodeiam.
Os alimentos têm extrema importância na produção artística de Francisco Trêpa e atuam como principais atores nas suas obras, como o próprio explicou em entrevista à Umbigo em dezembro do ano passado: “ Existe algo que me fascina num pedaço de argila que ganha a forma de um ovo e passa a atuar, ainda que não sendo, como ovo. Nós sabemos o som que uma colher faz ao tocar o vidro, ou a madeira e isso fascina-me na escultura, quando fazemos objetos que podem parecer tão distantes, mas que na verdade, olhando bem para as suas constituições matéricas estão tão próximos de nós. Com os alimentos podemos ainda falar de uma relação exterior – interior, pois eles viajam no nosso corpo, entram, saem, são absorvidos…”. Em Chalaza são os ovos que protagonizam a exposição, eles que, para além de serem alimento, simbolicamente invocam o início, o simples ou a origem da vida.
Chalaza está patente na CABANAmad até ao dia 31 de março de 2022.
[1] Addley, Esther (2020). “British Museum looks to crack mystery over decorated ostrich eggs”. The Guardian.