The Rest is Silence: Bruno Castro Santos na galeria Rui Freire – Fine Art
Entramos na galeria e deparamo-nos com um desenho de grandes dimensões chamado The Rest is Silence, 2020. O desenho, que dá o nome à exposição, apresenta discos desenhados a grafite e caneta de acrílico. Os mesmos discos desenvolvem-se, uns a seguir aos outros. Alguns parecem convergir, outros divergir. Num jogo entre o côncavo e o convexo, entre o cheio e o vazio.
Do outro lado, noutra sala, a mais próxima da entrada, alguns pequenos desenhos, em fileira, revelam uma geometria subjacente, e evidente. Uma grelha, ou trama, suporta todas as composições. Algumas tendem a assemelhar-se a partituras, aparentam poemas ritmados, que demonstram uma origem comum, um mesmo principio, uma mesma base, cunhada na permanência.
A mesma série, Through the blue, 2019, revela desenhos feitos com o recurso a grafite, canetas de tinta da china e acrílico sobre papel artesanal. Padrões, pontos, ou cruzes são gerados sobre a superfície de papel, e mudam de cor. São formas e linhas que se transmutam.
É preciso desterritorializar o ponto. Escapar da memória modernista. Da materialidade da pintura. Transpor os elementos. Primeiro, no desenho, traços em linha reta de diferentes cores fornecem paralelas sobre papel artesanal. Há uma continuidade, mas, porém, também há lugar para a necessidade de rutura com o esperado, com o expectável.
Essas superfícies, de traços vigorosos e firmes, são depois recortadas e coladas, tornadas formas tridimensionais, regulares ou irregulares. As linhas passam assim a percorrer também o espaço para além da superfície do papel.
A forma que molda o espaço continua presente na prática de Bruno Castro Santos Sabendo que a sua formação de base é a arquitetura. As retas transitam da forma bidimensional para a tridimensionalidade, com ampla facilidade.
A linha, a reta, como elementos abstratos, são como protagonistas, despontam sobre o papel, longe das suas funções, enquanto elementos próprios e subsidiários da representatividade.
Longe de estarem também subordinadas à representação de figuras, expandem-se, tomam forma, enquanto elemento principal.
Como diria Kandinsky: “libertado do seu objetivo prático, e da escravidão das suas aplicações”
Os elementos gráficos manifestados no trabalho de Bruno Castro Santos encontram-se evocados, como o ponto, a linha, o plano. O ponto fica em evidencia, como ser dotado de autonomia. Isolado da envolvência material, e afastado da função “prática utilitária” conhecida no então século XIX.
Segundo Kandinsky, o ponto varia de acordo com a relação que estabelece com outros elementos gráficos: “o que pode ser consolidado como ponto numa superfície totalmente vazia desse ser designado como superfície se na mesma superfície de base lhe juntarmos uma linha fina” O ponto é relação com, relação com outros elementos, e relação com a superfície. Como diria o pintor, relação de “interioridade, exterioridade”: “ As ressonâncias interiores do ponto e da superfície ressaltam, sobrepõem-se, e formam duplo som”.
Bruno Castro Santo procede assim num enamoramento pela trama, pela estrutura, pela grelha tão originaria e geradora no modernismo de Malevich, ou Mondrian, e intensamente referida por Krauss, mas ao mesmo tempo, pelo decalque, pela demarcação desse mesmo principio modernista para algo ulterior. Também ele demonstrativo de uma época, e de um gosto em rutura.
Até 26 de março, na Rui Freire – Fine Art, em Lisboa.