Kaunas – Capital Europeia da Cultura 2022
Arrancou oficialmente no dia 22 de janeiro de 2022 a programação de Kaunas Capital Europeia da Cultura. Além da 2ª maior cidade da Lituânia, este ano também Esch-sur-Alzette (Luxemburgo) e Novi Sad (Sérvia) partilham o título. Como sempre a programação é ambiciosa e pontuada de nomes sonantes, e distribui-se numa quantidade inacreditável de eventos culturais quase diários. Perante tamanha tarefa, a equipa trabalha junta há vários anos, primeiro na candidatura, depois na preparação do(s) evento(s) e agora por último na sua realização. Porém, a grande dúvida que paira em qualquer cidade que acolha este tipo de desígnio é, o que acontecerá no mês seguinte ao término desta catadupa de happenings? Não havendo (obviamente) para já uma resposta, essa é uma preocupação honestamente abordada pela diretora Virginija Vitkienė. Para a CEO de Kaunas – capital europeia da cultura, o projeto pode ser um momento charneira no modo como o país lida com o passado.
De facto, com uma história recente de re-independência da URSS, a Lituânia tem sido um dos países de leste com acentuado desenvolvimento nas últimas duas décadas e procura agora assinalá-lo com uma paisagem cultural dinâmica e diversificada. Kaunas, que chegou a ser temporariamente a capital do país em 1919, reafirma-se como uma cidade multicultural, onde permanece uma herança plurirreligiosa, mas que nem por isso tem sabido lidar com a memória histórica. Daí que Virginija Vitkienė admita que “a cidade precisava urgentemente deste título”, uma vez que Kaunas procura construir uma identidade após os anos conturbados pelos conflitos, repressão e domínio soviético. A CEO do projeto vai mais longe afirmando que Kaunas – Capital Europeia da Cultura 2022 se trata mesmo de um marco fundamental no processo de “pôr a descoberto e sarar o trauma”. Para tal a organização colocou a questão da memória coletiva como um dos pontos principais do programa de eventos que decorre durante este ano. Desse modo espera-se que seja possível reunir as condições necessárias para abrir a conversação acerca do passado, inclusivamente do posicionamento do país durante o holocausto. Kaunas foi durante muitos anos uma cidade-fortaleza de grande importância devido ao seu posicionamento geopolítico, tornando-se metáfora para o comportamento da população, que segundo Virginija Vitkienė sempre esteve habituada a proteger-se. Em 2022 o objetivo é precisamente o contrário, que a cidade e a sua população se predisponham a acolher e a dar as boas-vindas à Europa e aos europeus.
Nos antípodas do entusiasmo e da massa humana movida pelas capitais europeias da cultura, existe também grande ceticismo no que toca à sustentabilidade das infraestruturas, organizações e eventos criados através dos recursos financeiros extraordinários que o acontecimento supõe. Questionada a esse respeito, Virginija Vitkienė espera a continuação da grande maioria dos novos projetos e diz que essa foi uma das preocupações da estrutura durante todo o processo. Ainda assim, salienta que o aumento de verbas para o setor da cultura depende também da esfera política, mas que Kaunas 2022 tem feito o maior esforço para garantir a autossuficiência dos milhares de projetos envolvidos. Daí, como explica a CEO, o orçamento global foi distribuído em duas parcelas iguais, a primeira para gastar durante os cinco anos de preparação, e a segunda durante o ano de realização.
No que diz respeito às artes visuais há a salientar as apostas em projetos de grande escala de William Kentridge, Marina Abramović e Yoko Ono. O primeiro apresenta a exposição That Which We Do Not Remember, um momento especial para o artista que tem assim a sua primeira grande apresentação na Europa de Leste e logo no país dos seus antepassados. A exposição serve não apenas como um reencontro sentimental entre Kentridge e Kaunas, mas também como uma crítica ou, pelo menos, uma chamada de atenção para o apagamento coletivo de factos históricos como um método de sobrevivência ou, na pior das hipóteses, de propaganda política. Vale ainda a pena de salientar que algumas das obras produzidas para a ocasião serão instaladas de forma permanente na cidade. Por sua vez, Marina Abramović inaugurará em março Memory of Being, uma grande exposição que revisitará a sua produção artística, nomeadamente a documentação das performances icónicas nos anos 1960 e vídeos, até aos dias de hoje. No caso de Yoko Ono, a também ambiciosa produção, dividir-se-á em dois momentos. Um já pode ser visitado e trata-se da instalação monumental Ex It, o outro inaugurará apenas em setembro numa coprodução com a Fundação de Serralves. Será uma grande retrospetiva da artista, que acaba por celebrar paralelamente a vida de um artista local, Jurgis Mačiūnas, nada menos que pioneiro do movimento fluxus.
Além dos referidos eventos, realizar-se-ão mais de 1000 projetos, abrangendo uma enorme diversidade de tipologias de eventos culturais. A sua consulta pode ser feita no site de Kaunas 2022. A representação oficial de Capital Europeia da Cultura iniciou-se em janeiro e estender-se-á, bem como as atividades, até 31 de dezembro do presente ano.