Domenico Gnoli: A magia dos detalhes
Analisar a arte de Domenico Gnoli, um génio italiano nascido em Roma (1933) e falecido em Nova Iorque (1970), com apenas 37 anos de idade, significa entrar num mundo de maravilhas.
Gnoli é um caso isolado no panorama da arte contemporânea internacional: não foi realista, nem surrealista; nem pop, nem conceptual; foi, porém, um hábil cavaleiro desses campos todos, reunidos em quadros magníficos e realizados num curto espaço de tempo.
Seguindo o projeto de exposição traçado pelo curador Germano Celant antes da sua morte em 2020, a Fundação Prada em Milão propõe – até o fim de fevereiro – uma grande mostra dedicada ao pintor, com mais de trezentas obras expostas, entre quadros, desenhos, livros e incisões.
Premissa fundamental – para quem escreve – é utilizar truques literários, mais do que palavras críticas, quando entra no Podium da Fundação e visita Domenico Gnoli.
A obra Espécies de Espaços – do escritor francês Georges Perec – além de ser um delicioso estudo “mágico” sobre os mais variados lugares habitados e usados pelos seres humanos, é a obra que mais se avizinha aos sujeitos pintados na breve carreira de Gnoli: os detalhes.
Quantas sombras têm os detalhes! E quanta beleza! E mais: como estes detalhes são lestos em se esconderem do nosso olhar! É o artista que os descobre e nos obriga – através das suas telas – a considerar uma nova realidade.
O público, boquiaberto perante a mesas atoalhadas; nós de gravatas; botões; uma manga de terno cuja extremidade revela um relógio precisamente definido; poltronas e estofos; muros de tijolos “à vista”, penteados de homens e mulheres, sapatos. Tudo realizado através perspetivas ousadas, acidentais e esmagadoras.
O público, ainda ele, em frente aos quadros, sem nunca ter imaginado poder descobrir tantas coisas, olhando de outra forma a roupa, o pormenor dum casaco, de sapatos ampliados, observados detrás.
Como Renée Magritte nos mostra um mundo alheio, onde os homens chovem do céu de guarda-chuva aberto enquanto, num outro famoso quadro, o pôr-do-sol se quebra no vidro duma janela, eis que Gnoli parece seguir o colega no sentido do estupor, procurando-o no quotidiano ignorado, naqueles elementos que constantemente caem sob os nossos olhos, permanecendo, contudo, despercebidos. Uma estratégia visual e poética à qual Gnoli recorria usando “cortes fotográficos”, ou seja, enquadrando o sujeito através de pontos de vista estranhos.
O trabalho artístico de Gnoli nasceu como evolução da sua atividade como cenógrafo. E sobre a pintura, refere: “Eu só trouxe todo o meu mundo decorativo e coloquei-o na pintura, levando os excessos e o estilo antigo, despindo-o de cada elegância, pondo a nu aqueles que eram – para mim – os campos da poesia e do drama. Entreguei à pintura o papel do trompe-l’oeil”.
Curioso observar que, enquanto a sua obra deixava de ser “realista” para se aventurar em estradas mais evocativas que técnicas, as ilustrações dele continuavam ricas em ambientes, objetos e formas.
A representação “forçada” e seca dos detalhes, presente nos grandes quadros, espelha-se – dando a ideia duma passagem entre “positivo” e “negativo”, ying-yang – nos pequenos papéis traçados com tinta da china, há uma composição de cenas incríveis, lembrando inclusive as antigas wunderkammer.
Assim, o baixo, o despercebido, o pequeno, com a arte de Gnoli, encontram uma nova dignidade: “Nunca tive vontade em deformar os meus sujeitos, nem adicionar ou subtrair-lhes algo: eu isolo e represento. Não intervenho contra o objeto; assim posso pressentir a magia da sua presença”.
Se quiserem vê-la, está na hora.
Domenico Gnoli, na Fundação Prada em Milão, está patente até o dia 27 de fevereiro de 2022.