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Quando a terra voltar a brilhar verde para ti no Museu da Cidade – Extensão do Romantismo

Quando a terra voltar a brilhar verde para ti inicia um novo programa curatorial do antigo Museu Romântico do Porto, propondo pensar o Romantismo, à luz da contemporaneidade, como constância espiritual transtemporal e trans-histórica. O projeto expositivo, com a curadoria de Nuno Faria, parte da noção de mundo natural, enquanto potenciador da produção literária e artística romântica, transpondo-o para as inquietações presentes, como as alterações climáticas, a extinção, ou a exploração excessiva dos recursos naturais da Terra, com o escopo de pensar o museu na qualidade de lugar em urgência de metamorfose, local de experimentação constante e reflexão premente. O título, que confere o tom à exposição, é um verso do poeta alemão Hölderlin, enquadrado no pensamento romântico. Ao mesmo tempo referência ao nome do filme dos cineastas Jean-Marie Straub e Danièle Huillet sobre a morte do filósofo grego pré-socrático Empédocles, conhecido por ter desenvolvido a teoria cosmogónica dos quatro elementos clássicos. A exposição materializa-se apresentando o Herbário (1870) de Júlio Dinis em diálogo com outros autores e práticas artísticas, a casa oitocentista que alberga a extensão museológica e os jardins do Palácio de Cristal, permitindo questionar como poderemos redescobrir e tematizar a natureza como algo vital e reaprender com o mundo vegetal perante a atual crise ecológica.

No século XIX, face às invasões napoleónicas e a resultante queda do Império de Napoleão, que ora teve consequências sociais, económicas e políticas nos países invadidos, como na Alemanha, ora na França, pelo fracasso da revolução e dos seus ideais, surge o movimento romântico, na Europa, numa crise social e nacional, trauma individual e coletivo, tristeza e nostalgia. Fora o poeta, crítico e filósofo alemão Friedrich Schlegel, quem pela primeira vez utiliza o termo Romântico no âmbito da arte em 1798, escolhendo uma palavra da língua francesa derivada de Romance, remetendo para as histórias medievais de amor, galanteria, ou mistério, como alternativa ao latim, contrariando o pensamento neoclássico de inspiração greco-romana. Na sequência, o filósofo alemão Hegel explorava noções de subjetivismo, misticismo e de história, como desenvolvimento dialético da humanidade; Goethe, um dos autores seminais da literatura alemã e do Romantismo, publicava A Paixão do Jovem Werther (1774), Fausto (1790), ou a Teoria das Cores (1810); o poeta alemão Novalis expressava que ao elevar um lugar-comum e ao dignificar o desconhecido, o estava a romantizar; o poeta inglês P. B. Shelley escrevia que os artistas deviam revelar mais o seu espírito; e o poeta e crítico francês Baudelaire defendia que o Romantismo era uma arte moderna, em que os artistas se exprimiam pela cor, espiritualidade e intimidade. O movimento romântico, plural e polífono, vai versar temas, como a espiritualidade e a fé, a celebração do amor físico na aproximação ao divino, a conjugação do amor e da morte pela redenção, a ideia de beleza na representação do infinito, ou o amor conforme uma religião. Os românticos acreditavam que a emoção estava acima da razão, tendo encontrado na natureza, um refúgio e um lugar que lhes proporcionava momentos profundos de autodescoberta, um reflexo das qualidades humanas. A paisagem era fundida com um senso de espiritualidade, de uma inocência e verdade, retratada em abstrações de luz, ou de cor, amplamente simbólicas. Um dos seus desejos era expressar as emoções através da natureza, tendo a pintura, como meio abstrato e simbólico, e sobretudo a poesia e a música, pelas suas qualidades evocativas e especulativas, linguagens primordiais para a veiculação das subjetividades.

De acordo com o investigador e curador David Blayney Brown: «Like the Infinite it so often sought, the Romantic movement may seem to slip through our fingers. But to pursue it is richly rewarding, for while the contemporary contexts for its protest and passion have long since disappeared, its concepts of authenticity, integrity and inner truth remain relevant. They are fundamental to our concept, not only of art, but also ourselves.»[1] Concluindo que o Romantismo, segundo Friedrich Schlegel, «is […] a perpetual becoming without ever attaining perfection […] It alone is infinite, alone free; its first law is the will of the creator […] that knows no law».[2] Efetivamente, o movimento romântico, independentemente de ter surgido consoante o espírito de uma época, alguns dos seus preceitos, como a autenticidade, a integridade, ou a verdade interior, continuam relevantes. Quando a terra voltar a brilhar verde para ti, como indica a folha de sala, constrói-se a partir das «altitudes e abismos, diferenças de temperatura, intensidades e forças criativas» pela «experiência romântica do mundo» como «condição, excessiva, visionária e elegíaca». Este gesto é traduzido pela apresentação do Herbário (1870) de Júlio Dinis, lado a lado com outras práticas e artistas, como Rui Chafes, Ilda David, Teixeira de Pascoaes, Manuel Rosa, Lourdes Castro e José Almeida Pereira, articulados em cinco secções, ou estados de espírito, com ambientes e códigos de cores diferentes, em volta de uma escultura sonora de Jonathan Uliel Saldanha e Pedro Monteiro.

Quando entramos no Museu da Cidade – Extensão do Romantismo[3], deparamo-nos com dispositivos, lembrando livros abertos, demonstrando o Herbário (1870) de Júlio Dinis, que nos vai guiando ao longo da experiência expositiva. Se na primeira sala encontramos desenhos de Ilda David, da série Grutas (1997), a partir de esboços realizados por Goethe numa das suas viagens a Itália, rodeados por um conjunto de telas do século XVIII/XIX, na segunda perscrutamos desenhos de Rui Chafes e uma pintura mural de José Almeida Pereira, segundo A Rosa dos Temperamentos (1798-1799) de Goethe. Continuamos o nosso périplo pela sala 3, onde descobrimos através de J. A. Pereira silhuetas de plantas em papel recortado de Philip Otto Runge e nas salas seguintes, murais do mesmo autor, segundo A Árvore do Conhecimento N.1, Série W (1913) de Hilma af Klint e Trabalho Nº172 de Emma Kunz, artistas que nos encetam pelos movimentos espiritualistas do século XIX, como a Teosofia, o Hermetismo, ou a Antroposofia.

Subindo as escadas que nos levam ao primeiro piso, encontramos outro ambiente, embrenhado pela cor laranja e Yeux Clos I,II,III (1994) de Chafes, o artista português do sublime Romantismo alemão. Entramos pela sala dedicada a Teixeira de Pascoaes, um dos escritores românticos portugueses por excelência e descobrimos as suas aguarelas sobre papel, em que a natureza, os fantasmas e os espíritos do Marão se revelam diante de nós. No seguimento somos envoltos pela série de Sombras à volta de um centro (1985) de Lourdes de Castro, constatando uma outra expressão que emana da observação do mundo natural. Adiante, a série Nie Wieder (1990-91) de Chafes, demonstra desenhos de várias figuras importantes do Romantismo alemão, assim como mulheres dilaceradas e corpos desfigurados, numa espécie de montagem dialética, e na sala seguinte, uma escultura de Manuel Rosa, tematiza a solidão e o silêncio. Por último, no salão, um espaço dedicado às artes performativas, que acolhe repertório musical romântico, temos mais duas pinturas murais de J. A. Pereira, segundo O Mar de gelo (1823-1824) de Caspar David Friedrich e A Morte de Empédocles (c.1665-1673) de Salvator Rosa, num gesto profundamente romântico, assim como a escultura de Chafes O Silêncio de Giorgio De Chirico (2011), como um pendulo, que tanto encerra peso, como leveza. Toda a incursão por Quando a terra voltar a brilhar verde para ti é acompanhada por uma escultura sonora de Jonathan Uliel Saldanha e Pedro Monteiro, composta por sons de sinos e órgão, assim como referências a autores românticos, pautada em três movimentos, com transições e um apogeu, que evoca o filtro do amor, remetendo para o momento final da opera de Wagner, Tristão e IsoldaLiebestod, ou o amor e da morte pela redenção, que tal como a exposição, entoa um coro de vozes de vivos e de mortos.

Quando a terra voltar a brilhar verde para ti é o primeiro momento do Museu da Cidade – Extensão do Romantismo, pensado como um novo escrutínio em relação ao movimento artístico, para além do seu tempo histórico. Um museu que, tal como o Herbário de Júlio Dinis, é algo que está vivo, onde vemos plasmado os gestos do seu autor, como Nuno Faria demonstra: «Fantasmagoria, objeto que revela quase da magia na forma como desafia as leis naturais e a passagem do tempo, feito pelas próprias mãos do escritor, do artista […]»[4]. Assim, a extensão museológica terá uma exposição permanente, com obras da coleção do museu, que se irá metamorfosear sazonalmente e uma programação com exposições temporárias, como uma pauta musical que se vai construindo com as suas variáveis.

Quando a terra voltar a brilhar verde para ti está patente no Museu da Cidade – Extensão do Romantismo, no Porto, até 27 de fevereiro.

 

[1] Brown, D. B. (2001). Romanticism. London: Phaidon Press Limited. p. 16.

[2] Ibid. p. 409.

[3] Saber mais aqui.

[4] Faria, N. (2021). «O mundo elevado a abismo» in Dinis, J. (2021). Herbário – Filices. pp. 5-6. Lisboa: Documenta | Sistema Solar.

Ana Martins (Porto, 1990) é investigadora doutoranda do i2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade, na qualidade de bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2022.12105.BD). Frequenta o Doutoramento em Artes Plásticas da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, tendo concluído o Mestrado em Estudos de Arte – Estudos Museológicos e Curadoriais pela mesma instituição. Licenciada em Cinema pela ESTC do IPL e em Gestão do Património pela ESE do IPP. Foi investigadora no Projeto CHIC – Cooperative Holistic view on Internet Content apoiando na integração de filmes de artista no Plano Nacional de Cinema e na criação de conteúdos para o Catálogo Online de Filmes e Vídeos de Artistas Portugueses da FBAUP. Atualmente, desenvolve o seu projeto de investigação: Arte Cinemática: Instalação e Imagens em Movimento em Portugal (1990-2010), procedendo ao trabalho iniciado em O Cinema Exposto – Entre a Galeria e o Museu: Exposições de Realizadores Portugueses (2001-2020), propondo contribuir para o estudo da instalação com imagens em movimento em Portugal, perspetivando a transferência e incorporação específica de elementos estruturais do cinema nas artes visuais.

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