Kissing Someone in the Middle of a Crowd: Translating Ernesto de Sousa’s “Orality, The Future of Art?”
Se entendermos a performance como a transposição dos limites do teatro, o seu lugar de não-retorno ao ponto de se ver como autónomo (sem história, narrativa, personagens, apenas ação), qual será, consequentemente, o limite da performance? Diria que Pedro Barateiro acabou de mostrá-lo aqui, providenciando uma aula, uma leitura crítica.
Nas palavras do próprio, ao fim da ação, podemos ter ficado desiludidos se esperávamos uma performance: para ele, o ato performático esteve na tradução para inglês que efetuou do ensaio de Ernesto de Sousa, Oralidade, O Futuro da Arte?, e que aqui nos apresentou, na Galeria Quadrum, no contexto de uma exposição sobre o artista. Verifica-se um problema: como criticar esta ação, uma aula, uma transmissão de informação de que provavelmente não teremos tanto conhecimento quanto o próprio que a nos apresenta? Critica-se o texto, a interpretação, a locução? Será impossível? Como avaliar a tradução de um original sobre o qual nunca refletimos, e que, até ao prazo de entrega deste texto, não o conseguiremos fazer?
Barateiro falou-nos da oralidade, dos seus perigos e possibilidades, uma oralidade que é apenas projeção, ação, produção. O público assistia, disposto ao redor do artista, sentado a uma mesa, como numa reunião semanal. Estávamos sentados, atentos, mudos, distantes. Quero falar-vos do silêncio: com as luzes da galeria acesas – apontadas a nós e ao artista, todos somos participantes – as cabeças toldavam-se em movimentos como focagens, as mãos não sabiam onde ficar, percorriam os bolsos, as pernas, esticadas, repousadas, em movimentos inconscientes que denunciavam o tempo que lhes passava em redor; simultaneamente, o artista projetava no ecrã momentos de intimidade, beijos, desejos desconfortáveis, massificados, intimidades tornadas consumíveis, a que olhávamos atentos, mas estranhos. Falava-nos da oralidade enquanto experiência imaterial, fugaz, que nunca podemos deter – é essa a sua vulnerabilidade e atributo, a sua condição de reflexão para com a realidade – e do acaso que o levou a encontrar o texto que ali nos apresentava, agora traduzido. As palavras que disse, tento agora completá-las, na impossibilidade de as registar: no fundo, diria que se realizou plenamente a experiência que propôs, a fugacidade dessa afinal performance, o poder da oralidade contra a excessiva importância do objeto, capitalizado, retido e que sempre acreditamos deter, a consequente importância da experiência, desse beijo da arte.
O espírito de Ernesto nunca se afastou: era notória a admiração de Barateiro e essencial a sua releitura, neste mundo cada vez mais capitalizado. Faltou, ainda assim, algo que nos fizesse envolver no que era dito, alguma espécie de estímulo imersivo, ou um discurso mais direto – não sei se a leitura e a sua consciente, mas simulada, construção terão chegado.
Este texto é a minha tradução, agora, das palavras de Barateiro – e como qualquer tradução uma vontade de entender, de entrar, sujeita a interpretações e fenómenos subjetivos, um transplante (que opera, também, pela passagem da fala em palavra), uma versão que procura, otimista, nunca calar. Lembro-me, assim, de frases que ficaram: “A oralidade é perigosa”, “O silêncio é perigoso”, “O beijo pode calar”, “Não deixemos que ponham palavras nas nossas bocas” – sugestões para pensarmos sobre a fala, a escuta, a escrita, para que voltemos a Ernesto de Sousa.
Kissing Someone in the Middle of a Crowd: Translating Ernesto de Sousa’s “Orality, The Future of Art?”, de Pedro Barateiro, foi mostrada na Galeria Quadrum, em Lisboa, no dia 10 de fevereiro.