Centro de Arte Alberto Carneiro: Celebração da arte contemporânea portuguesa em Santo Tirso
“Eu e arte não sabemos ao certo quem somos, mas temos a certeza de sermos um do outro, e isto é tudo de que precisamos para a vida.”
Alberto Carneiro
Inaugurado a 27 de novembro em Santo Tirso, o Centro de Arte Alberto Carneiro (CAAC) tem como missão principal a gestão do acervo do escultor, assumindo-se como espaço de criação, experimentação, preservação, investigação e divulgação da arte contemporânea com o intuito de honrar a obra de Alberto Carneiro (1937‑2017).
Projeto de iniciativa municipal, a inauguração do projeto cultural ocorre seis anos após a assinatura do contrato de doação que o artista formalizou com a Câmara Municipal, outorgando a propriedade de sessenta obras, entre esculturas e desenhos, com vista a constituir a coleção permanente do Centro de Arte.
Instalado na Fábrica de Santo Thyrso, que se tem vindo a assumir como centro de inovação e de criatividade, destacamos a recuperação de um edifício industrial para a implementação do Centro de Arte Alberto Carneiro ao permitir a dinamização do espaço fabril com atividades culturais e contribuindo para uma nova centralidade da cidade. A escolha de Santo Tirso para a implementação do novo projeto cultural deve-se à intrínseca ligação do escultor ao concelho, recordemos – para além das inúmeras obras expostas na cidade – o seu papel ao desenvolver dez Simpósios Internacionais de Escultura que deram origem ao atual Museu Internacional de Escultura Contemporânea em Santo Tirso, inaugurado em 1997.
Com aproximadamente 1100 m2, composto por um piso térreo e uma cave, o Centro de Arte Alberto Carneiro apresenta uma zona expositiva, na sua vertente permanente e temporária, um centro de documentação, áreas de receção e loja, áreas de atividade administrativa e de apoio logístico, bem como espaços destinados às reservas gerais. Organizada em três núcleos, a área expositiva inclui uma exposição permanente constituída por obras da autoria do escultor. Cobrindo uma grande variedade de suportes artísticos a exposição inaugural apresenta desenhos e esculturas em madeira, bronze e pedra, sendo ainda possível aos visitantes observarem obras pertencentes à série Sobre as flores do meu jardim (200-02), expostas na parede do primeiro núcleo da exposição, trabalhos sobre papel que oscilam entre o desenho e a pintura produzidos através da prensagem de pétalas de flores apanhadas por Alberto Carneiro no seu jardim e cuja intensidade das cores se vai esbatendo com o tempo.
Desenvolvida a partir dos ritmos da natureza tornando visíveis as energias contidas nas matérias naturais, numa procura constante do artista em desvendar os seus movimentos, a obra de Alberto Carneiro estabelece uma relação entre natureza, cultura, pensamento e ação, numa prática artística que se assume como território revelador dos segredos da terra.
A paisagem que se quer tornar visível, a intensidade e rapidez dos movimentos e dos gestos, concretizam-se não apenas em trabalhos escultóricos, mas também nos desenhos cujo sentimento de tensão constante, de força, e de transformação nos atraem e movem-nos na sua direção.
Não possuindo um caráter narrativo, cronológico ou temático, a exposição inaugural do Centro de Arte Alberto Carneiro apresenta peças da década de sessenta – O Voo do Homem, (1966) – que partilham o mesmo espaço com peças das décadas de oitenta e noventa – Metáfora das águas ou as naus a haver por mares de antes navegados, (1993-94), e inclusivamente com obras do século XXI, cujas afinidades surgem em função da natureza dos trabalhos e das temáticas que abordam. A valorização da dimensão percursora de Alberto Carneiro na arte ecológica é um dos objetivos do Centro de Arte, a propósito da qual o diretor Álvaro Moreira relembra a atualidade pertinente, “quando se fala tanto em ecologia e questões ambientais, e o posicionamento e relacionamento do homem com a natureza e o modo como essas duas condições vivem, do texto publicado em 1971 pelo artista Notas para um manifesto de uma arte ecológica”. Descrevendo uma profunda relação com a natureza – que Alberto Carneiro manteve desde a infância até ao final da vida em 2017 – o autor declara no manifesto, “A arte ecológica será um regresso à origem das nossas próprias fontes (…) na ausência de uma intimidade com a natureza, a arte ecológica virá repor na memória das sensações estéticas os valores que da terra no homem se definiram e estruturaram na sequência dos tempos”[1]. É esse regresso à essência e ligação à terra que a obra de Alberto Carneiro propicia de cada vez que a contemplamos, mediante a compreensão da natureza a partir do corpo e dos sentidos, e o estabelecimento de um diálogo entre o mundo rural e o meio artístico, entre a Natureza e a Arte.
Para além da exposição permanente, a zona expositiva será um local de diálogo e de confronto de várias correntes artísticas, integrador e inclusivo, através da exibição de exposições temporárias de artistas contemporâneos de alguma forma associados ao trabalho de Alberto Carneiro, que se enquadrem nos valores artísticos fundamentais do escultor. “A ideia é criar um desafio a propósito de uma peça, de uma ideia, de um conceito, de um espaço a partir de um elo de ligação à obra de Alberto Carneiro para o desenvolvimento de um projeto de investigação, um projeto expositivo que possa ser exposto no Centro”.
Pela importância museológica o novo Centro de Arte Alberto Carneiro terá uma ação fundamental no desenvolvimento cultural da região assim como complementará e potenciará a programação do Museu Internacional de Escultura, aumentando a oferta cultural da cidade no domínio da arte contemporânea e na sua relação com a natureza e o espaço público. Em simultâneo com a abertura do CAAC, o Museu Internacional de Escultura Contemporânea inaugura a primeira exposição individual do artista nesse espaço, intitulada A Natureza em Movimento. A exposição tem por base o espólio artístico de Alberto Carneiro pertencente à viúva e historiadora de arte Catarina Rosendo, que se encontra em depósito no Município de Santo Tirso. Patente até ao dia 27 de fevereiro, A Natureza em Movimento apresenta um conjunto de obras que cobre a quase totalidade das mais de cinco décadas de trabalho do artista, realçando a par da escultura e da instalação, a importância do desenho e dos trabalhos performativos do artista em ambientes paisagísticos e rurais que deram origem às séries fotográficas da década de setenta em exibição.
Tratando-se Alberto Carneiro de um defensor do conceito de Arte Ecológica e de Arte Pública, o Centro de Arte Alberto Carneiro pretende ser fomentador do Projeto de Valorização de Monte Córdova e do Programa Estratégico para a Recuperação do Rio Leça – 2020/2030. Ao ser questionado sobre a criação de projetos para a área exterior do Centro de Arte, Álvaro Moreira admite ser algo a desenvolver “e que tem a ver fundamentalmente com um projeto que cruza outros interesses de natureza ambiental e que neste caso é o rio de Leça, projeto de recuperarão e de valorização de todo o rio que tem no nosso concelho a área mais significativa onde nasce o rio, o monte Córdova, e que é o espaço ambientalmente mais significativo no concelho de Santo Tirso. A ideia é futuramente desenvolver atividades de natureza artística desde as arquiteturas efémeras à escultura efémera, ligada à valorização de determinados espaços e rotas de visitação e de valorização de questões ambientais relacionadas com o rio. Esse será um segundo projeto de grande envergadura e que tem a ver diretamente com a linha de pensamento de Alberto Carneiro. Temos ainda a contribuição do projeto do Museu Internacional de Escultura Contemporânea de que foi mentor e cujo acervo tem vindo a crescer. É um processo em curso que agora se vai desenvolver de acordo com o desenvolvimento das novas frentes urbanas da cidade e da criação de novos espaços públicos – parque e áreas pedonais – que têm a ver com o crescimento e valorização da cidade”.
Para além das obras de escultura e desenho de Alberto Carneiro, faz parte do acervo a biblioteca particular do artista, doada pela família ao município, que protocolou com os herdeiros a sua inventariação, tratamento e disponibilização pública, constituída por cerca de 7500 volumes fundamentais para se perceber a obra do artista e as influências que moldaram o seu horizonte conceptual.
Numa procura de sensibilização da comunidade para expressões artísticas, a atividade do Centro de Arte será reforçada por iniciativas pluridisciplinares de natureza científica e pedagógica, através da realização de encontros científicos e programas educativos capazes de criar novos públicos, mediante uma programação cultural que afirme o Centro de Arte Alberto Carneiro como espaço de encontros, debates, questionamentos e vivências.
[1] Carneiro, Alberto. (1991). “Notas para um manifesto de uma arte ecológica” (Dezembro 1968/Fevereiro 1972) in Carneiro, Alberto. (1991). Exposição Antológica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. p. 62.